por Marcelo
Barros
Em
todo o Brasil, já se respira o clima do Carnaval. Em algumas capitais do
Nordeste e do litoral, a festa começou há vários dias e se prolonga por outros.
Muita gente espera o ano inteiro por esses dias. Outros aproveitam para
descansar ou viver alguma experiência alternativa. Grupos contrários à folia
fazem encontros paralelos. Grupos de tradição católica fazem o que chamam de
“Cristoval”, ou “carnaval de jovens cristãos”. Evangélicos e pentecostais fazem
acampamentos de juventude. Essa diversidade é positiva. Só devemos tomar
cuidado para não dar a impressão de que Deus está conosco e não com os
outros.
Em
1975, em uma crônica de rádio, assim se expressava Dom Helder Camara, então
arcebispo de Olinda e Recife: "Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo,
uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se
muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e
ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem
se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Estive recordando
sambas e frevos, do disco do Baile da Saudade: ô jardineira por que estas tão
triste? Mas o que foi que aconteceu....Tú és muito mais bonita que a camélia
que morreu... Brinque meu povo querido! É verdade que quarta-feira a luta
recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da
vida!" (crônica de 01/ 02/1975 no programa “Um olhar sobre a cidade”-
Rádio Olinda - AM).
É
verdade que daquele tempo para cá, o mundo mudou muito. Aliás, já tinha mudado
antes. O Carnaval surgiu em tempos de cultura religiosa, quando as pessoas
brincavam três dias para depois entrar na penitência da Quaresma. Atualmente, o
Carnaval se torna um intervalo em meio a um ano de trabalho. É verdade que até
as festas populares se tornaram comerciais. No entanto, vários filósofos atuais
mostram como, para um mundo doente, o remédio mais eficaz é a “Ética da
Convivência”. Muitas vezes, a delicadeza é vista como sinal de insegurança ou
fraqueza. Por isso, é importante insistirem relações humanas baseadas na
gentileza e na ternura, como algo belo e humano. A maioria dos meios de
comunicação de massa tem a tendência de apresentar o outro, principalmente o
desconhecido, como ameaça e perigo à segurança. Nesse contexto, brincar juntos
nas ruas com conhecidos e desconhecidos é profecia de outro modo de organizar o
mundo. Nesses dias, em várias cidades do Brasil e do mundo, é isso que as
pessoas fazem. Sem dúvida, é preciso evitar excessos que ocorrem, tanto no
plano do abuso de bebidas, uso de drogas, banalização do sexo e
instrumentalização do outro e mesmo da violência que ocorre em qualquer
manifestação de grande massa. No entanto, no ano passado, um sociólogo europeu,
depois de ver nas ruas do centro do Recife dois milhões de pessoas brincando e
pulando ao sol do Galo da Madrugada quis saber da polícia qual a estatística de
violência, roubos e problemas ocorridos na ocasião. Voltou à sua terra e
escreveu um artigo dizendo: Não poderia imaginar em Paris ou em Berlim tal manifestação
de massa com tão poucas violações da lei e da paz. No Carnaval de uma capital
nordestina, se constataram menos problemas sociais do que em uma noite de ano
novo na praia de Copacabana.
Seja
como for, pelo seu caráter de festa de rua, o Carnaval aponta que é possível sentir prazer em se estar juntos.
A cada ano, em Campina Grande, PB, se reúnem pessoas de todo o Brasil e ligadas
às mais diversas tradições espirituais, para mais um “Encontro da Nova Consciência”.
É um encontro que começa na noite da sexta feira antes do Carnaval e se encerra
na noite da terça. Ali se encontram de
várias religiões, índios nordestinos na defesa de suas culturas, ecologistas e
pessoas interessadas na medicina natural. Muitas das iniciativas têm em comum a
dança e o prazer de se estar juntos. Ali se ensaia um jeito de viver,
alternativo aos dogmas da produção, consumo e competição. No domingo à tarde,
todos/as são convidados/as a uma marcha e ato interreligioso pela Paz. Nesse
ano, o encontro terá como tema: “Civilização ou Barbárie: suas ações vão
definir o futuro do planeta”.
Na
sociedade atual, as tradições religiosas têm a função de incentivar um convívio
amoroso da humanidade para testemunhar que
somos todos irmãos e irmãs de uma única humanidade. A Bíblia tem um
salmo que canta: “Como é bom e suave os irmãos viverem – conviverem em
harmonia” (Sl 132).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
Nenhum comentário:
Postar um comentário