por Marcelo Barros
Dizem que, no Brasil, as atividades
do ano só começam mesmo depois do Carnaval. Só a partir dessa semana, Escolas,
universidades e empresas retomam seu ritmo normal. Os meios de comunicação nos
bombardeiam com notícias de crise e corrupção. Algumas são verdadeiras, mas se
misturam com boatos e delações que condenam as pessoas antes mesmo de serem julgadas.
Em tudo isso, o que parece mais em crise é a capacidade das pessoas pensarem. Será
que as nossas escolas e universidades incentivarão seus alunos a pensar? Teremos
algum dia meios de comunicação social
que divirtam as multidões sem reduzi-las ao pão e circo concedido pelos
senhores do mundo?
Como saber que cada um/uma de nós
mesmos assumimos nossa missão humana de pensar e não aceitamos ser simplesmente
repetidores de fórmulas feitas e macaquinhos de gestos ensaiados? É claro que,
de alguma maneira, todo ser humano pensa. Processa o que acontece em redor de
si e o compreende, mas isso pode ser feito de modo superficial e até
irresponsável. Todos nós vivemos sob a cultura da notícia imediatizada e
produzida em pílulas. Os instrumentos da internet e recursos virtuais de
comunicação são valiosos e úteis, mas algumas vezes, criam uma onda de
sensações que substituem o verdadeiro pensar crítico e autônomo. Sem dúvida, não
é fácil nem cômodo o compromisso de pensar quando se trata de procurar compreender
profundamente o que acontece e tomar uma posição verdadeiramente crítica e
responsável. Na história da Filosofia, alguns reduziram o pensar a uma operação
racional que ocupa apenas parte do
intelecto humano. Para alguns filósofos modernos, como Heidegger, pensar é
caminhar. Só pode dizer que realmente pensa quem aceita percorrer uma estrada pessoal
de busca e com o espírito aberto. E não é fácil rever nossas certezas
adquiridas e colocar em questão nossos dogmas culturais, religiosos ou
políticos.
Sobre a tragédia do não pensar, Hannah
Arendt escreveu o seu livro mais importante: “A banalidade do mal”. Para a filósofa
judia, a verdadeira tragédia é que o mal se origina no não pensar. O carrasco
nazista Adolf Eichmann exterminou multidões nos campos de concentração não
porque fosse um monstro sádico. Era um homem normal e bom pai de família. Mas, tinha
renunciado a pensar e apenas cumpria ordens dos superiores. Do mesmo modo, até
hoje, a publicidade enganosa, o doutrinamento ideológico e o impacto
sensacionalista nascem quando a pessoa renuncia a pensar criticamente e
simplesmente se deixa levar por uma onda que acaba conduzindo a alguma forma de
totalitarismo.
Às vezes, para instituições como o
Exército, a Escola e mesmo a Igreja, é mais fácil ter pessoas que seguem normas
e obedecem mecanicamente do que aceitar pessoas que pensam. O militar que, para
cumprir o seu dever, usa violência ou agride pessoas, o funcionário que não é
capaz de ir além de sua estrita obrigação e o religioso que repete fórmulas de
crenças acabam colaborando para a cultura da indiferença geral que domina a
sociedade. O papa Francisco tem denunciado
que essa indiferença está na base do sofrimento de tantas pessoas.
A revista Le Monde des Religions, em
seu número atual (janeiro-fevereiro 2016) tem uma página com um mapa de todas
as guerras e conflitos provocados pela religião. Pude contar 17 regiões do
mundo nas quais cristãos extremistas combatem outras religiões, hindus lutam
contra muçulmanos, judeus perseguem muçulmanos e assim por diante. No Brasil,
que não consta desse mapa de guerras declaradas, a cada dia acontecem ataques e
atos de discriminação contra cultos de matriz afrodescendente. Um amigo
italiano repete um filósofo ao dizer: “A diferença não é entre quem é religioso
e quem não é. A diferença está entre quem pensa e quem não pensa”.
No caminho das religiões, todas
contaram com figuras proféticas que procuraram ser fieis à sua tradição, mas ao
mesmo tempo apontaram para a responsabilidade do pensar de forma pessoal e
amoroso. Nos evangelhos, Jesus diz: “Eu não vim destruir a lei ou os profetas.
Ao contrário, vim para levá-los à sua plenitude. Nem um j desaparecerá da lei
até que tudo seja realizado” (Mt 5, 17- 18). No entanto, afirmou também: “A lei
e o sábado foram feitos para o ser humano e não o ser humano para a lei e o
sábado” (Mc 2, 27).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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