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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

ULTRACONSERVADORISMO DE ALGUNS PROTESTANTES DEVERIA RELER LUTERO, CALVINO E OUTROS REFORMADORES



Por Juracy Andrade



Muitas das posições dos protestantes tradicionais são libertárias, embora posteriormente alguns tenham recaído em práticas do Império Romano Papal que condenavam. O embate político entre líderes reformadores e católicos levou às chamadas guerras de religião que tanto ensanguentaram a Europa. Martinho Lutero lutou bravamente contra as pretensões da Cúria Romana de, com promessas simoníacas de salvação eterna, arrancar dinheiro dos alemães. Thomas Müntzer  foi um “teólogo da revolução”, segundo Ernst Bloch. Quem sabe, a Teologia da Libertação receba alguma inspiração dos reformadores, mais do que do marxismo como pretendiam papas como Wojtyla e Ratzinger. E Calvino pregava que os governantes de um povo livre devem envidar todo esforço a fim de que a liberdade do povo pelo qual são responsáveis não desvaneça de modo algum em suas mãos: “Mais do que isso, quando dela descuidarem ou a enfraquecerem, devem ser considerados traidores da pátria”. Lembremos que no governo holandês de Pernambuco (calvinista), a Inquisição portuguesa foi banida e conviveram em paz, infelizmente por pouco tempo, protestantes judeus e católicos. Considera-se que os huguenotes (nome dado aos protestantes franceses) também teriam influenciado a tradição revolucionária daquele país.

Escrevo sobre isso para mostrar como grande parte dos protestantes brasileiros engajados na política perderam essa perspectiva. Não querem mais ser conhecidos pela tradicional designação de protestantes (aqueles que protestaram contra abusos do papado e da Cúria Romana), mas como evangélicos. Um pretenso e enganoso monopólio da prática do Evangelho. Temos o caso exacerbado do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, comprovadamente acusado de vários crimes, mas que continua se proclamando evangélico, embora aja contra tudo o que Jesus Cristo pregou.

Essa politização desabrida da religião em um Estado nominalmente laico não faz sentido. Ou não faria em um país minimamente sério. 

O filósofo italiano Giorgio Agamben fala da dependência entre as estruturas institucionais dos Estados laicos e as construções teológicas. Ocorre que, a partir das primeiras décadas do século passado, denominações mais recentes do protestantismo do sul dos Estados Unidos decidiram que o nosso país não era cristão como eles gostariam e decidiram vir evangelizá-lo. No Deep South dos EUA está ancorado o Bible Belt (pretenso cinturão bíblico) que dá suporte religioso à ala mais reacionária do Partido Republicano, conhecida como Tea Party (alusão a episódio da história da independência estadunidense). A invasão bíblica dos chamados pentecostais ao Brasil foi aproveitada pelo Departamento de Estado para contrabalançar os avanços da Igreja Romana por aqui. Daí que, para Vladimiu Safatle, professor da USP, o nosso país está atualmente diante de uma recrudescência da força política das igrejas evangélicas, sobretudo as que se denominam neopentecostais, associadas a uma pauta conservadora radical em matéria de costumes e política.

Ao fazer estas observações, faço questão de frisar que me apresento como cristão. Sou de formação católica, mas acho que o nome “católico” está carregado de conotações negativas. E, como só existe um Jesus Cristo, todo autêntico cristão faz parte dessa imensa Ekklesía espalhada pelos apóstolos por todo o mundo. E finalizo recordando Martin Luther King Jr. Apesar de sulista, ele não lutou só contra a discriminação dos negros, mas também contra a desigualdade econômica em seu país e contra a escandalosa Guerra do Vietnã. Ele defendia a reforma agrária feita do Vietnã do Norte.

 “Deveria haver uma melhor distribuição de recursos e talvez a América devesse ir em direção ao socialismo democrático.” Convém ousar. Hoje os EUA têm um presidente negro e um candidato democrata que professa o socialismo. Está na hora de os nossos protestantes neopentecostais, tão empenhados em fazer da religião uma escora política e eleitoral, meditarem sobre essa outra tradição dos reformadores.

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Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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