Por Juracy Andrade
Muitas das posições dos
protestantes tradicionais são libertárias, embora posteriormente alguns tenham
recaído em práticas do Império Romano Papal que condenavam. O embate político
entre líderes reformadores e católicos levou às chamadas guerras de religião
que tanto ensanguentaram a Europa. Martinho Lutero lutou bravamente contra as
pretensões da Cúria Romana de, com promessas simoníacas de salvação eterna,
arrancar dinheiro dos alemães. Thomas Müntzer
foi um “teólogo da revolução”, segundo Ernst Bloch. Quem sabe, a
Teologia da Libertação receba alguma inspiração dos reformadores, mais do que
do marxismo como pretendiam papas como Wojtyla e Ratzinger. E Calvino pregava
que os governantes de um povo livre devem envidar todo esforço a fim de que a
liberdade do povo pelo qual são responsáveis não desvaneça de modo algum em
suas mãos: “Mais do que isso, quando dela descuidarem ou a enfraquecerem, devem
ser considerados traidores da pátria”. Lembremos que no governo holandês de
Pernambuco (calvinista), a Inquisição portuguesa foi banida e conviveram em
paz, infelizmente por pouco tempo, protestantes judeus e católicos.
Considera-se que os huguenotes (nome dado aos protestantes franceses) também
teriam influenciado a tradição revolucionária daquele país.
Escrevo sobre isso para
mostrar como grande parte dos protestantes brasileiros engajados na política
perderam essa perspectiva. Não querem mais ser conhecidos pela tradicional
designação de protestantes (aqueles que protestaram contra abusos do papado e
da Cúria Romana), mas como evangélicos. Um pretenso e enganoso monopólio da
prática do Evangelho. Temos o caso exacerbado do presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, comprovadamente acusado de vários crimes, mas que
continua se proclamando evangélico, embora aja contra tudo o que Jesus Cristo
pregou.
Essa politização desabrida
da religião em um Estado nominalmente laico não faz sentido. Ou não faria em um
país minimamente sério.
O filósofo italiano Giorgio Agamben fala da dependência
entre as estruturas institucionais dos Estados laicos e as construções
teológicas. Ocorre que, a partir das primeiras décadas do século passado, denominações mais recentes do protestantismo do sul dos Estados Unidos decidiram que o nosso
país não era cristão como eles gostariam e decidiram vir evangelizá-lo. No Deep
South dos EUA está ancorado o Bible Belt (pretenso cinturão bíblico) que dá
suporte religioso à ala mais reacionária do Partido Republicano, conhecida como
Tea Party (alusão a episódio da história da independência estadunidense). A
invasão bíblica dos chamados pentecostais ao Brasil foi aproveitada pelo Departamento
de Estado para contrabalançar os avanços da Igreja Romana por aqui. Daí que,
para Vladimiu Safatle, professor da USP, o nosso país está atualmente diante de
uma recrudescência da força política das igrejas evangélicas, sobretudo as que
se denominam neopentecostais, associadas a uma pauta conservadora radical em
matéria de costumes e política.
Ao fazer estas
observações, faço questão de frisar que me apresento como cristão. Sou de
formação católica, mas acho que o nome “católico” está carregado de conotações
negativas. E, como só existe um Jesus Cristo, todo autêntico cristão faz parte
dessa imensa Ekklesía espalhada pelos apóstolos por todo o mundo. E finalizo
recordando Martin Luther King Jr. Apesar de sulista, ele não lutou só contra a
discriminação dos negros, mas também contra a desigualdade econômica em seu
país e contra a escandalosa Guerra do Vietnã. Ele defendia a reforma agrária
feita do Vietnã do Norte.
“Deveria haver uma melhor distribuição de recursos e
talvez a América devesse ir em direção ao socialismo democrático.” Convém
ousar. Hoje os EUA têm um presidente negro e um candidato democrata que
professa o socialismo. Está na hora de os nossos protestantes neopentecostais,
tão empenhados em fazer da religião uma escora política e eleitoral, meditarem
sobre essa outra tradição dos reformadores.
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Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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