por Maria
Clara Bingemer
Temos medo de muitas coisas hoje em dia: da violência, do trânsito, da
insegurança do amanhã, de quanto vai ser a conta da luz no fim do mês, de
quantos mais impostos o governo vai inventar para assaltar nosso bolso
etc. Por trás de todos esses medos, existe algo maior, mais forte, mais
poderoso que nós. Por isso, nos parece um tanto estranho que nesses
tempos mais recentes nosso maior receio seja de um pequeno mosquito.
Pois é verdade, sem tirar
nem por: um mosquito. Pequeno, com asas e ferrão afiado. Com essas
pequenas armas ele está tirando o nosso sossego e nos fazendo enfrentar uma
epidemia nos moldes daquelas que já acreditávamos desterradas pelos progressos
da medicina e da imunização. Nosso inimigo tem um nome latino que soa sofisticado: Aedes
Aegypti. E com seu zumbido e suas mordidas está tirando o sono dos
brasileiros.
O Brasil está enfrentando
uma epidemia de zika, doença aparentada com a dengue, já nossa velha conhecida. Os
sintomas são parecidos, porém mais brandos do que os da dengue: febre, dor de
cabeça, dor no corpo e nas juntas, coceira e manchas avermelhadas espalhadas
pelo corpo.
O mais assustador é o
Ministério da Saúde ter confirmado que este vírus transmitido pelo mosquito
está estreitamente relacionado com a microcefalia, uma doença que pode atingir
o feto, fazendo com que a criança nasça com o perímetro cefálico menor que o
convencional, que é de 33 centímetros. O bebê pode morrer ou apresentar
diversas sequelas graves no seu desenvolvimento: dificuldade de visão, de audição
e retardo mental.
A região do país mais
afetada pelo surto de microcefalia é o Nordeste. O alerta foi dado nos
hospitais e maternidades de Pernambuco e do Ceará. Desde então, o zika
alastrou-se como um rastilho de pólvora que ateou fogo rapidamente por onde
passava. Hoje, milhares de casos suspeitos da doença são investigados.
O pânico é maior entre as
grávidas. As autoridades sanitárias não poupam conselhos, advertências,
orientações às gestantes ou às mulheres que desejam ter filhos. Chegam a sugerir
que elas adiem este projeto e esperem a epidemia ser controlada. E fazem
recomendações óbvias, como a importância de se submeterem a todos os exames
habituais, além do acompanhamento pré-natal. Como se isso não fosse
recomendável em qualquer gravidez, mesmo a mais saudável.
Como em toda crise – e
essa indubitavelmente entra nessa categoria – os problemas éticos e morais
começam a emergir. Discute-se a pertinência ou não de interromper a
gravidez quando acontece a doença; levanta-se a hipótese de que ser contra o
aborto é punir os pobres por não terem recursos para tal.
O que me surpreende é que
o foco das discussões e debates esteja tão distanciado daquilo que deveria ser
o centro das preocupações de todos: o combate ao mosquito.
Com todas essas notícias
apavorantes veiculadas exaustivamente pelos meios de comunicação, ainda se
descuida da água parada, local ideal para a proliferação do mosquito, dos focos
onde as larvas se reproduzem e se desenvolvem.
Por outro lado,
constata-se o despreparo não apenas sanitário, mas também ético e moral para
lidar com as situações que o mosquito provoca. Instituições de saúde que
dedicam atenção exclusiva a pessoas com lesão cerebral ou problemas dela
oriundos estão preocupadas com a epidemia. A lesão cerebral pode acontecer
associada à microcefalia. Portanto, o crescimento da epidemia representaria um
aumento exponencial dos casos a serem atendidos.
E além das dificuldades financeiras para a manutenção, essas instituições
enfrentam outros problemas, como o abandono do doente pela família. Muitos
pequenos pacientes com lesões cerebrais são abandonados após a internação.
O medo não é só do
mosquito, mas das marcas que ele deixa sobre as pessoas. E numa sociedade
como a nossa, que só valoriza a eugenia e o sucesso, a presença no seio da
família de uma criança com dificuldades sérias para mover-se, aprender a
comunicar-se é um estorvo do qual desviamos os olhos.
Pensamos que estamos
conquistando os últimos limites da ciência e, no entanto, sentimo-nos ameaçados
por um simples mosquito. Pisamos na lua e queremos ir a Marte, mas não
sabemos entrar na terra sagrada da compaixão para acolher um ser vulnerável e
desvalido em nosso próprio meio.
Combater o mosquito é necessário. Mas talvez mais ainda seja combater
nosso egoísmo e nossos demônios interiores. Pois atrás do mosquito vem
gente. E gente não se fumiga, nem se afasta com repelente. Gente se
acolhe, se trata, se cuida. Que o zika, que ameaça atrofiar cérebros e
cujo combate já mostramos incompetência não atrofie nosso coração!
Maria Clara Bingemer
é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de Teologia
e literatura - Afinidades e segredos compartilhados (Ed. Vozes)
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