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terça-feira, 9 de junho de 2020

COVID 19 - TRIGÉSIMA OITAVA REFLEXÃO - MÍSTICA E POESIA (3) EM TEMPOS DE CORONAVIRUS



Por Frei Aloísio Fragoso

     Nesta REFLEXÃO voltamos a partilhar idéias do Pe. Daniel Lima.  Talvez eu escandalize algumas pessoas, ao revelar os nomes de três poetas-gurus meus: Carlos Drumond de Andrade, Fernando Pessoa e o Pe. Daniel Lima. Os dois primeiros, ateus, e o terceiro, um religioso que se conflitava com Deus ("Quando Deus acordar, O que vai ser de mim, Sonho de Deus dormindo. Dorme, Deus, não acordes. Que teu sono é o meu ser E Tu, o meu sonho"). Os três me estimulam a procurar Deus pelos caminhos da Fé. Drumond e Pessoa, negando falsas imagens de Deus, me ajudam a derrubar os ídolos infiltrados em minha alma, querendo passar por deuses. Já o Pe. Daniel me adverte: não te enganes!  a Via do Divino é pedregosa!

     Por outra parte, cada pessoa tem o direito de escolher seus caminhos próprios, que são múltiplos, diferentes e até conflitantes. Só gostaria de lembrar uma coisa: pode iludir-se quem prefere uma estrada larga, atapetada de flores, sem conflitos, sem desconforto, sem contestações. Todos os grandes místicos aprenderam e ensinaram esta lição: Deus é simples, mas não é fácil ("sem o tempero da loucura, todo amor é insípido" Sta. Teresa D'Ávila).

     Onde podemos encontrar um ponto de unidade? Em Jesus, certamente! Ele disse de si mesmo: "aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". E disse também: "Eu não vim ao mundo trazer a paz e sim a espada". "Vim trazer fogo e quero que este fogo acenda".

     Fora do campo da Fé, a História comprova esta mesma dialética. Conhecemos uns versos suaves de Gonçalves Dias, recitados por gerações e gerações de alunos das escolas brasileiras e que se tornou uma espécie de elo emocional da unidade nacional: "Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá. As aves que aqui gorgeiam Não gorgeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores. Nossos bosques tem mais vida, Nossas vidas mais amores" (....). Enquanto isso, o poeta Castro Alves compôs os incômodos versos de "Navio Negreiro", que poucos conhecem e pouquíssimos lêem: "Senhor Deus dos desgraçados, Dizei-me Vós, Senhor Deus,  Se é loucura ou se é verdade Tanto horror perante os céus!" (....)

     O poema de Gonçalves Dias não contribuiu em nada para mudar a estrutura social escravizante em 500 anos de história do Brasil. Já o poema de Castro Alves teve influência decisiva no movimento que forçou a Abolição da Escravatura. 

     Pois bem, de espírito aberto, mergulhemos nestes textos do Pe. Daniel e descubramos como o seu sentimento de impotência, por vezes aflitivo, esconde a utopia da esperança, que ele entrega aos que virão depois, a nós:

Deitei-me, dormi
sessenta e oito anos atrás,
criança quase ainda.
Os pássaros cantavam na árvore em frente.
Acordei-me,
sessenta e oito anos depois.
Eu era outro.
Mas os pássaros ainda cantavam na árvore em frente.
A vida passa
e o canto continua.
       _____

A rosa nem sempre é rosa
tem cuidado!
Às vezes, são as cores da rosa,
às vezes, seu perfume,
sua forma, seu jeito,
sua recordação
num velho álbum de lembranças.
Mas nada disto é a rosa verdadeira
a rosa que procuras.
Tem cuidado!
Poderás morrer,
não pela rosa total, única e pura,
mas por seu desenho
e os restos de sua forma
e seu esvaído perfume.
E morrerás em vão.
       _______

Tive inveja dos santos.
Menino, desejei muito
ser Francisco de Assis com pássaros nos ombros
e a pobreza na alma como noiva.
Hoje,
ao olhar a imagem de Francisco,
sinto uma enorme tristeza, 
sinto saudades de mim,
do menino de outrora.
Perdi-me nos caminhos.
Não mais sinto desejo 
de ser um São Francisco,
assim santo, assim pobre.
Sinto somente o vaidoso desejo 
de ser a sua imagem.

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