Por LEONARDO BOFF
Andando pelas comunidades eclesiais de base
constituídas de ribeirinhos da Amazônia, nos limites com o Acre, lá onde
viceja uma Igreja pobre e libertadora, ouvi de um líder comunitário, bom
conhecedor da leitura popular da Bíblia, a seguinte visão que ele pretende ter
sido verdadeira.
Estava
um dia a caminho do centro comunitário, quando se viu transportado, não sabe se
em sonho ou em espírito, aos jardins do Vaticano. Viu de repente um Papa,
encurvado pela idade, todo de branco, cercado pelos seus principais cardeais
conselheiros. Faziam o costumeiro passeio após o almoço, andando pelos jardins
floridos do Vaticano.
De
repente, o Papa vislumbrou, a uns poucos metros de distância, a figura do
Mestre. Este sempre aparece disfarçado seja como jardineiro para Maria Madalena
seja como andarilho para os jovens de Emaús. Mas o sucessor de Pedro,
afastando-se do grupo de cardeais, com fino tato, identificou logo o
Ressuscitado. Ajoelhou-se e quis proferir a profissão de fé que fez Pedro ser
pedra, pois sobre esta fé se constrói sempre a Igreja :”Tu és o Cristo, o
Filho de Deus vivo”.
Nisso
foi atalhado por Jesus. Olhando o palácio do Vaticano ao longe e o perfil dos
prédios da Santa Sé, disse Jesus com voz entristecida: ”Não te bendigo,
sucessor de Pedro, o pescador, porque tudo isso não foi inspirado por meu
Pai que está nos céus mas pela carne e pelo sangue. Digo-te que não foi
sobre estas pedras que edifiquei minha Igreja, porque temia que então as portas
do inferno poderiam prevalecer contra ela”.
O Papa
ficou perplexo e olhou o rosto do Senhor. Viu que caiam-lhe furtivamente duas
lágrimas dos olhos. Lembrou-se de Pedro que o havia traído duas vezes e que,
arrependido, chorara amargamente. Quis proferir algumas palavras, mas estas lhe
morreram na garganta. Começou também ele, o Papa, a chorar. Nisso o
Senhor desapareceu.
Os
Cardeais ouviram as palavras do Mestre e se apressaram para amparar o Papa.
Este logo lhes disse com grande severidade: ”Irmãos, o Senhor me abriu os
olhos. Por isso, as coisas não podem ficar como estão. Temos que mudar e mudar
em muitas coisas. Ajudem-me a realizar a vontade do Senhor”.
O
Cardeal camerlengo, o mais ancião de todos, afirmou: ”Santidade, iremos, sim,
fazer alguma coisa conforme a vontade do Mestre e segundo a tradição dos
Apóstolos. Amanhã reuniremos todo o colégio cardinalício presente em Roma e,
invocando o Espírito Santo, decidiremos como vamos proceder, consoante as
palavras do Senhor”.
Todos
se afastaram pesarosos, vindo-lhes à memória aquelas cenas do Novo Testamento
que se referem a Jesus chorando sobre a cidade santa, que matava seus profetas
e apedrejava os enviados de Deus e que se negava a reunir seus filhos e filhas
como a galinha que recolhe os pintainhos debaixo de suas asas.
Um e
outro entretanto, comentavam: ”irmãos, sejamos realistas e prudentes, pois nos
toca viver neste mundo. Precisamos de edifícios para a Cúria e o Banco do
Vaticano para recolher os óbulos dos fiéis e cobrir os nossos gastos. Podemos
negar essas necessidades? Mas vejamos o que o Espírito nos inspirar”.
No dia
seguinte, quando os cardeais se dirigiam à sala do consistório, graves e
cabisbaixos, o secretário do Papa veio correndo e lhes comunicou quase aos gritos:
”O Papa morreu, o Papa morreu”.
Nove
dias após, celebraram-se os funerais com toda a pompa e circunstância como
manda a tradição. Vindos de todas as partes do mundo, os cardeais
desfilavam com suas vestes vermelhas e luzidias, quais príncipes de tempos
antigos. Depois sepultaram o Papa.
E ninguém mais se lembrou das palavras que o
Mestre havia dito e que eles escutaram. E tudo continuou como antes nos
palácios do Vaticano.
Post
Scriptum: o Espírito Santo fala pelos sinais dos tempos. Um desses sinais são
os escândalos ocorridos que exigem reformas para resgatar a credibilidade
da Igreja. Será que os cardeais no Conclave saberão ler esse sinal e dizer como
no primeiro Concílio em Jerusalém:”Pareceu bem a nós e ao Espírito Santo tomar
tais e tais decisões”? Caso contrário o Mestre continuará chorando sobre as
pedras do Vaticano.
Leonardo Boff, teólogo e escritor
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