Por MARCELO BARROS
A Páscoa é
celebrada tanto pelas comunidades judaicas, como pelas Igrejas cristãs
históricas. A origem dessa festa é muito antiga. Marcava o renascer da natureza
na primavera. A ela se incorporou a memória da libertação dos escravos hebreus
e sua saída do Egito. Os cristãos deram à festa um conteúdo novo ao celebrarem a
morte e ressurreição de Jesus, mas essa páscoa de Cristo é protótipo de todo
ser humano e inicio de uma sociedade nova e de um mundo restaurado. Então, não
substitui e sim inclui e radicaliza ainda mais os conteúdos que a festa tinha
na sua história anterior.
Hoje, celebrar
a páscoa da natureza é um desafio não só para judeus e cristãos. É dever de
toda a humanidade deter a extinção de dezenas de espécies vivas que a cada dia
se acabam. Só se a natureza renascer da destruição provocada pela sociedade
vigente, a Páscoa será cósmica, como a Bíblia propõe. Quanto à sua dimensão social e política, a
celebração pascal rememora a ação libertadora de Deus na ressurreição de Jesus
e na vocação de todo ser humano para constituir uma sociedade nova, justa e
feliz. Na Bíblia, profetas como Ezequiel usaram o termo ressurreição para
anunciar a restauração social e política do povo como projeto divino (Ez 36-
37). Um discípulo de Isaías anunciou o
projeto divino de criar um novo céu e nova terra, na qual toda a humanidade terá
liberdade, saúde, paz e alegria (Is 65, 17 ss). Baseado nessas profecias, os
evangelhos e Paulo falam da páscoa de Jesus como início de uma nova criação e fonte
de vida nova para o ser humano e toda a sociedade.
No cristianismo
primitivo, os discípulos e discípulas de Jesus se uniram em comunidades de
entreajuda e solidariedade. Por isso, tomaram das cidades gregas o nome das
assembleias de seus cidadãos (Igrejas)
com a novidade de que nas assembleias
cristãs, todos eram iguais e procuravam ter tudo em comum (At 2, 32 ss). Celebravam
a ceia de Jesus como partilha do alimento e proposta de comunhão como forma de
viver. Por isso, o império romano perseguiu judeus e cristãos. O império, tolerante
para com as mais diversas religiões, não permitia associações de solidariedade
entre os pobres. E as sinagogas e Igrejas eram isso. Só quando a Igreja
renunciou à sua dimensão revolucionária, se tornou aceita pelo império e foi
por ele absorvida. Hoje, para retomarmos o espírito original da Páscoa e o
conteúdo verdadeiramente espiritual da caminhada eclesial temos de refazer a
dimensão socialista da fé bíblica.
As
características principais do verdadeiro Socialismo (não de um partido que se
diz socialista e privatiza hospitais públicos e serviços de saúde) são 1º - a
socialização da propriedade nas mãos das classes populares. 2º – o poder nas
mãos do povo, o que significa a radicalização da democracia com instrumentos
participativos 3º – o acesso de todos às
necessidades básicas da vida, como alimento, saúde, moradia e educação.
Evidentemente, não bastam essas três características para que se possa
considerar um sistema político como socialista, mas sem esses elementos nenhum
regime merece tal nome. A atual social democracia é apenas um disfarce do mesmo
mecanismo de exploração e injustiça que faz do ser humano o lobo do outro
humano. Só o socialismo ou como, na encíclica Mater et Magistra, João XXIII, o papa bom e santo, chamou de
“socialização”, pode criar condições de uma vida justa e feliz. A celebração
pascal deve ser sinal e instrumento dessa profecia socialista. A ressurreição
de Jesus é o começo da transformação do mundo. Ser verdadeiramente
revolucionário é em primeiro lugar um problema de fé e exige de nós uma
espiritualidade pascal. Quem crê na ressurreição de Jesus trabalha pela
ressurreição social e espiritual de todo o mundo. Testemunha a Deus que diz:
“Faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5).
Marcelo Barros, monge beneditino e peregrino de Deus
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