por
J u r a c y A n d r a d e
Ao
se aproximarem as eleições, o momento é propício a algumas reflexões a respeito
do não cumprimento, no Brasil, do preceito constitucional entre nós
teoricamente vigente desde a introdução do regime republicano: laicidade do
Estado e sua subtração à tutela da Igreja Romana e de qualquer religião. A
Igreja, que era oficial, ligada umbilicalmente ao Estado, nos tempos da Colônia
e do Império, esperneou muito diante dessa mudança e continuou lutando para
driblar o quanto possível o ditame republicano, dificultando a propagação do
protestantismo e de outras religiões e procurando manter privilégios
multisseculares. Hoje restam poucas vozes nessa direção. A cúpula concluiu que
a mudança dá muito mais liberdade à Igreja e lhe permite criticar o governo,
quando assim julga necessário, e levar adiante a evangelização sem os liames
constantinianos entre a fé o reino, a fé e a espada (vide Cruzadas e o
colonialismo que perseguiu e dizimou nativos e destruiu culturas
pré-colombianas).
Essa
confusão entre as coisas de Deus e as coisas de César não é privilégio unicamente
do papado e da Igreja Romana. A Igreja Ortodoxa Russa se acertou até com Stálin
e o regime comunista. Lutero, após sabiamente tentar desvincular a religião dos
príncipes alemães, terminou por tomar o caminho romano. Países adiantados como
a Inglaterra e a Suécia têm suas religiões oficiais, embora não persigam as
outras. O que aconteceu em nosso país é estranho. Os protestantes, que eram
tolhidos na prática de seus rituais e na sua pregação, chamados de bodes (não
sei por quê), perseguidos até policialmente, como os adeptos das religiões
africanas, passaram, nas últimas décadas, a desprezar o princípio republicano
que os livrara da discriminação e a fazer política, inclusive partidária, em
nome da religião. Pastores passaram a ser líderes políticos e a se apresentar
ao eleitorado como Pastor Fulano de Tal, confundindo rebanho político com
rebanho de crentes.
Essa
prática não existia com as denominações tradicionais, como Assembleia de Deus,
Igreja Batista, embora hoje elas já tenham aderido, embora com menos afinco;
mas começou a se expandir através das denominações chamadas neopentecostais,
muitas das quais adotam a chamada Teologia da Prosperidade (alusão à Teologia
da Libertação de parte da Igreja Romana), voltando à venda de indulgências e à
simonia condenadas por Martinho Lutero e espalhando por todo lado templos
suntuosos (Jesus Cristo mandou construir algum templo?). Não sei por que o
aborto, tão abominado pelos protestantes mesmo em caso de estupro, não se
tornou tema prioritário na atual campanha política. Talvez devido à
desmoralização sofrida há quatro anos quando José Serra, também conhecido como
o fantasma da ópera, se apossou do tema para confrontar Dilma Roussef. Na
ocasião, uma ex-amiga da mulher do candidato divulgou que a quase futura
primeira dama havia feito um aborto quando morava no Chile.
A
candidata Marina Silva mantém uma aparente postura de não-utilização da opção
religiosa como bandeira eleitoral. No entanto, para se prevenir, a equipe de Dilma
desencavou um projeto de lei geral das religiões, que está no Congresso. Concede
diversos benefícios a instituições religiosas, inclusive tributários. O texto
estende a denominações protestantes e a outras religiões privilégios concedidos
pelo governo brasileiro à Igreja Romana a partir de acordo com o Vaticano
assinado em 2008 por Lula, quem sabe esquecido do laicismo republicano. Não
obstante esse abominável acordo de 2008, que privilegia a Igreja Romana, o
cardeal Raymundo Damasceno, presidente da CNBB, afirma categoricamente que as
igrejas não são currais eleitorais e não devem influenciar os eleitores com
base em opção religiosa. Simplesmente verificar se esse os aquele candidato
atua conforme os princípios que prega, é coerente, faz boas propostas para o
país. Uma grande mudança em relação à época que a Igreja no Brasil mantinha uma
tal de Liga Eleitoral Católica, que apoiava ou vetava candidatos com base na
opção religiosa deles. A CNBB, através da TV Aparecida, realizou um bom debate
com os sete candidatos à Presidência da República (sem a empáfia e grosseria da
TV Globo) no dia 16 de setembro, ocasião em que Luciana Genro (PSOL) reduziu o
candidato Aécio Neves (PSDB) a sua expressão mais simples, lembrando a
vinculação dele a escândalos, como a construção, com dinheiro público, de um
aeroporto para servir a fazendas de parentes.
Juracy Andrade é jornalista com formação em
filosofia e teologia
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