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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

CADÊ O LAICISMO REPUBLICANO? NEOPENTECOSTAIS E ATÉ O GOVERNO CONTINUAM MISTURANDO RELIGIÃO COM POLÍTICA

 por  J u r a c y   A n d r a d e

  
     Ao se aproximarem as eleições, o momento é propício a algumas reflexões a respeito do não cumprimento, no Brasil, do preceito constitucional entre nós teoricamente vigente desde a introdução do regime republicano: laicidade do Estado e sua subtração à tutela da Igreja Romana e de qualquer religião. A Igreja, que era oficial, ligada umbilicalmente ao Estado, nos tempos da Colônia e do Império, esperneou muito diante dessa mudança e continuou lutando para driblar o quanto possível o ditame republicano, dificultando a propagação do protestantismo e de outras religiões e procurando manter privilégios multisseculares. Hoje restam poucas vozes nessa direção. A cúpula concluiu que a mudança dá muito mais liberdade à Igreja e lhe permite criticar o governo, quando assim julga necessário, e levar adiante a evangelização sem os liames constantinianos entre a fé o reino, a fé e a espada (vide Cruzadas e o colonialismo que perseguiu e dizimou nativos e destruiu culturas pré-colombianas).

     Essa confusão entre as coisas de Deus e as coisas de César não é privilégio unicamente do papado e da Igreja Romana. A Igreja Ortodoxa Russa se acertou até com Stálin e o regime comunista. Lutero, após sabiamente tentar desvincular a religião dos príncipes alemães, terminou por tomar o caminho romano. Países adiantados como a Inglaterra e a Suécia têm suas religiões oficiais, embora não persigam as outras. O que aconteceu em nosso país é estranho. Os protestantes, que eram tolhidos na prática de seus rituais e na sua pregação, chamados de bodes (não sei por quê), perseguidos até policialmente, como os adeptos das religiões africanas, passaram, nas últimas décadas, a desprezar o princípio republicano que os livrara da discriminação e a fazer política, inclusive partidária, em nome da religião. Pastores passaram a ser líderes políticos e a se apresentar ao eleitorado como Pastor Fulano de Tal, confundindo rebanho político com rebanho de crentes.

    Essa prática não existia com as denominações tradicionais, como Assembleia de Deus, Igreja Batista, embora hoje elas já tenham aderido, embora com menos afinco; mas começou a se expandir através das denominações chamadas neopentecostais, muitas das quais adotam a chamada Teologia da Prosperidade (alusão à Teologia da Libertação de parte da Igreja Romana), voltando à venda de indulgências e à simonia condenadas por Martinho Lutero e espalhando por todo lado templos suntuosos (Jesus Cristo mandou construir algum templo?). Não sei por que o aborto, tão abominado pelos protestantes mesmo em caso de estupro, não se tornou tema prioritário na atual campanha política. Talvez devido à desmoralização sofrida há quatro anos quando José Serra, também conhecido como o fantasma da ópera, se apossou do tema para confrontar Dilma Roussef. Na ocasião, uma ex-amiga da mulher do candidato divulgou que a quase futura primeira dama havia feito um aborto quando morava no Chile.

     A candidata Marina Silva mantém uma aparente postura de não-utilização da opção religiosa como bandeira eleitoral. No entanto, para se prevenir, a equipe de Dilma desencavou um projeto de lei geral das religiões, que está no Congresso. Concede diversos benefícios a instituições religiosas, inclusive tributários. O texto estende a denominações protestantes e a outras religiões privilégios concedidos pelo governo brasileiro à Igreja Romana a partir de acordo com o Vaticano assinado em 2008 por Lula, quem sabe esquecido do laicismo republicano. Não obstante esse abominável acordo de 2008, que privilegia a Igreja Romana, o cardeal Raymundo Damasceno, presidente da CNBB, afirma categoricamente que as igrejas não são currais eleitorais e não devem influenciar os eleitores com base em opção religiosa. Simplesmente verificar se esse os aquele candidato atua conforme os princípios que prega, é coerente, faz boas propostas para o país. Uma grande mudança em relação à época que a Igreja no Brasil mantinha uma tal de Liga Eleitoral Católica, que apoiava ou vetava candidatos com base na opção religiosa deles. A CNBB, através da TV Aparecida, realizou um bom debate com os sete candidatos à Presidência da República (sem a empáfia e grosseria da TV Globo) no dia 16 de setembro, ocasião em que Luciana Genro (PSOL) reduziu o candidato Aécio Neves (PSDB) a sua expressão mais simples, lembrando a vinculação dele a escândalos, como a construção, com dinheiro público, de um aeroporto para servir a fazendas de parentes.


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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