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terça-feira, 7 de outubro de 2014

POR UM SÍNODO PERMANENTE



Por Marcelo Barros


Nesse domingo, o papa Francisco abriu em Roma a 13a sessão do Sínodo dos bispos, com representantes do episcopado católico do mundo inteiro. Esse sínodo extraordinário está reunido para refletir e tomar decisões que atualizem a posição da Igreja Católica em relação a questões da família e da moral sexual. Na semana passada, cinco cardeais, membros da Cúria romana, publicaram um livro coletivo. Nesse livro, afirmam que, em matéria de moral e disciplina, a Igreja nada tem a mudar, porque a lei é lei e vem de Cristo. No mundo inteiro, muitos padres e bispos são da mesma posição dogmática e rígida. Ao contrário, o papa Francisco e boa parte do povo, católico e não católico, pensa de modo diferente. O papa cita o Evangelho no qual Jesus diz claramente: “A lei foi feita para o ser humano e não o ser humano para a lei” (Mc 2, 27). “Eu vim chamar os pecadores e não os justos (Mc 2,17). Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9, 13).

De fato, há mais de 50 anos, quando o papa João XXIII convocou os bispos católicos do mundo inteiro para se reunirem no Concílio Vaticano II, explicava que uma coisa é a verdade da fé e outra a expressão que, em cada época, toma essa verdade. A palavra de Deus é eterna e não muda. No entanto, a formulação de sua palavra é humana, histórica e contextual. Precisa ser interpretada à luz do projeto divino para o mundo que é justiça, paz e amor inclusivo e nunca desamor, incompreensão ou condenação de nenhuma categoria humana. No século II da nossa era, Tertuliano, um pai da Igreja do norte da África, afirmava: “Para quem é cristão, nada do que é humano pode ser estranho”.

De fato, o Concílio Vaticano II renovou profundamente a forma como a Igreja Católica interpreta a revelação divina, a relação com as outras Igrejas cristãs e sua missão no mundo. Na época do Concílio, a Igreja podia contar com muitos bispos que se colocavam como pastores do seu povo e profetas do projeto divino no mundo. Hoje, a Igreja continua contando com bispos que são homens espirituais e bons pastores do seu povo. No entanto, para garantir a continuidade dessa missão, é preciso rever a natureza e o estilo da atual formação dos padres nos seminários. Muitos bispos se dizem de acordo com a proposta de renovação eclesial do papa, mas mandam os jovens serem formados por seminários que os formam em uma linha contrária a qualquer renovação.

O que está em jogo não é apenas um modelo de atuação e de presença no mundo. O mais importante é que imagem de Deus as pessoas que creem e os ministros apresentam. Como disse alguém: “Sem dúvida, Deus é bom, mas parece que se deixa rodear de pessoas que não amam”.

No século I de nossa era, Igreja era um termo político. Designava as assembleias de cidadãos das cidades gregas do Império Romano. Tinham funções semelhantes à nossa câmara de vereadores. Em suas cartas, Paulo se apoderou desse termo (Igreja) para as primeiras comunidades cristãs. Ele fez isso para afirmar que os grupos cristãos deveriam sempre ser comunidades nas quais se pratica permanentemente o diálogo, a unidade nas diferenças, como parábola do projeto divino de justiça e de paz no mundo. Essa vocação é expressa pelo termo grego “sínodo” (caminhar juntos). Há algumas décadas, quando surgiu a teologia da libertação e alguns bispos e padres conservadores afirmavam que a Igreja não é uma democracia, Dom Pedro Casaldáliga, então bispo de São Félix do Araguaia, respondia: “Absolutamente de acordo. A Igreja não pode ser apenas uma democracia. Ela tem de ser muito mais. Deve ser e se mostrar como comunhão”.   

Infelizmente, durante séculos, as Igrejas cristãs adotaram modelos de organização vindos da cultura dominante na época. O papa se tornou chefe de Estado e era sempre visto como o pontífice reinante e os bispos, príncipes da Igreja. Desde que foi eleito no dia 13 de março de 2013, Francisco optou por se apresentar como bispo de Roma e tem sempre proposto uma Igreja descentralizada e em diálogo com a humanidade, diálogo que há mais de 50 anos, o papa João XXIII começou e depois dele, não teve mais continuidade. Agora, o papa Francisco o retoma e propõe uma Igreja voltada para o mundo e a serviço dos mais pobres. Uma Igreja sinodal que caminhe junto com a humanidade. Mesmo os ritos religiosos e a espiritualidade devem ser profundamente penetrados por essa mística do diálogo e da busca de comunhão. E a profecia e os sinais de contradição devem ser vividos em relação às estruturas injustas e excludentes da sociedade e não contra as pessoas. O atual sínodo dos bispos durará três semanas, mas o mais importante de tudo é que ele recoloque a Igreja em um processo de sínodo permanente e não somente de bispos  e sim de todas as pessoas que quiserem participar desse caminho. Como escreve o anjo do Apocalipse: “Quem tiver ouvidos, escute o que o Espírito diz hoje às Igrejas” (Ap 2, 5).

 

 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  


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