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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A ESPERANÇA: FILHA MENOR DE DEUS


por Maria Clara Lucchetti Bingemer
 
        João Bosco e Aldir Blanc, nos sombrios tempos da ditadura brasileira, chamaram a esperança de equilibrista.  Hoje gostaríamos de recordar um grande pensador e escritor francês que morreu prematuramente e cujo nascimento aconteceu há pouco mais de 140 anos: Charles Péguy.

       Nascido em Orléans, o pequeno Charles foi criado pela mãe e a avó.  De berço humilde, era praticamente iletrado até entrar na escola. Aluno brilhante, após terminar o colégio, entrou na École Normale Supérieure e na Sorbonne, as duas instituições mais importantes do ensino francês. De profunda fé e busca espiritual, Péguy escreveu sobre temas como política, mística, guerra, paz, amor, honra e morte. Nele as profundezas do Cristianismo encontraram nova voz e uma mensagem urgente e profética para os tempos em que viveu e, inclusive, para os nossos.
        Morto por uma bala na cabeça durante a batalha do Marne, em 1914, na Primeira Guerra Mundial, Péguy marcou o mundo cultural francês com seus escritos e legado cultural e político.
       Era um apaixonado pela verdade e afirmava que ninguém tinha o direito de se autoproclamar dono dela se não houvesse pagado o preço para demonstrá-la.
       Péguy foi talvez o autor que melhor escreveu sobre a virtude da esperança. Para ele, não era algo estático, mas força de vida e dinamismo. Uma esperança verdadeira pode ser a mola propulsora da vida.  A esperança, dom de Deus, reconecta a pessoa à fonte, ao redespertar nela a criança que ali vive.
       Péguy põe na boca do próprio Deus as maravilhosas características da virtude teologal da esperança.  Enquanto Deus afirma não se surpreender nem com a fé nem com a caridade, ele não pode deixar de surpreender-se e mesmo assustar-se com a esperança, a quem chama “filhinha menor do bom Deus”.
       O que o faz espantar-se – a Péguy e ao próprio Deus – é que os pobres seres humanos, Seus filhos, vejam como as coisas estão indo hoje e creiam que amanhã as coisas irão melhor. É o mais surpreendente e o mais maravilhoso efeito da graça divina, ensina Péguy.  E isso demonstra que a graça tem mesmo uma força incrível, diz Deus.
       A fé, para Péguy, é uma esposa fiel. A Caridade, mãe ardente e cheia de amor... A esperança é uma menininha inexpressiva, que veio ao mundo no dia de Natal. E, no entanto, continua o poeta, é esta menininha que atravessará os mundos.  Esta menininha que aparentemente não tem nenhuma importância, apenas ela, carregando as outras, será a que atravessará os mundos revoltos.
       Pois a fé vê apenas aquilo que é.  A esperança vê o que será.  A caridade ama aquilo que é.  A esperança ama o que será. E – termina o poeta com gênio e beleza – a esperança vê o que será no tempo e na eternidade.  Por assim dizer, o futuro da própria eternidade.
       Nestes tempos que vivemos nunca estivemos tão necessitados de esperança.  Pois se não estiver presente, como poderemos enfrentar o hoje e olhar o amanhã sem medo, sem susto?  Como poderemos crer que ainda haverá sorriso, tranquilidade, paz e bem estar para nós e as pessoas que amamos quando tudo se anuncia tão ameaçador?
       Equilibrista nos tempos da ditadura, anos de chumbo onde parecia que se esboroavam as possibilidades e as chances de futuro, foi ela que sustentou a força dos que militaram, sofreram e foram torturados nos porões de um regime tirânico e espúrio. Ela igualmente que na sua corda bamba e de sombrinha manteve o ânimo dos que, aqui na pátria mãe, tinham todas as razões para não esperar mais nada.  E que à força de esperar viram raiar a aurora da liberdade e serem vencidas as forças do obscurantismo.
       Assim, hoje, inspirados por Péguy e a poucos dias de uma renhida eleição presidencial, vencemos a tentação do desânimo, que nos diz que nada de novo e de bom poderá mais vir.  Tudo está desgastado, roto, escuro e nebuloso.  A esperança, filhinha menor de Deus, nos sussurra com sua vozinha doce ao ouvido que amanhã será melhor, pois Deus não abandona seus filhos e desde sua eternidade ouve seus clamores e gemidos em meio aos conflitos da história.

  Maria Clara Bingemer , professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, acaba de lançar FINITUDE E MISTÉRIO – MÍSTICA E LITERATURA MODERNA , em coautoria (Editoras Mauad e PUC-Rio). 


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