por Maria Clara Lucchetti Bingemer
João
Bosco e Aldir Blanc, nos sombrios tempos da ditadura brasileira, chamaram a
esperança de equilibrista. Hoje gostaríamos de recordar um grande
pensador e escritor francês que morreu prematuramente e cujo nascimento
aconteceu há pouco mais de 140 anos: Charles Péguy.
Nascido em Orléans, o pequeno Charles foi criado pela mãe e a avó.
De berço humilde, era praticamente iletrado até entrar na escola. Aluno
brilhante, após terminar o colégio, entrou na École Normale Supérieure e na
Sorbonne, as duas instituições mais importantes do ensino francês. De profunda
fé e busca espiritual, Péguy escreveu sobre temas como política, mística,
guerra, paz, amor, honra e morte. Nele as profundezas do Cristianismo
encontraram nova voz e uma mensagem urgente e profética para os tempos em que
viveu e, inclusive, para os nossos.
Morto por uma bala na cabeça durante a batalha do Marne, em 1914, na Primeira
Guerra Mundial, Péguy marcou o mundo cultural francês com seus escritos e
legado cultural e político.
Era um apaixonado pela verdade e afirmava que ninguém tinha o direito de se
autoproclamar dono dela se não houvesse pagado o preço para demonstrá-la.
Péguy foi talvez o autor que melhor escreveu sobre a virtude da esperança. Para
ele, não era algo estático, mas força de vida e dinamismo. Uma esperança
verdadeira pode ser a mola propulsora da vida. A esperança, dom de Deus,
reconecta a pessoa à fonte, ao redespertar nela a criança que ali vive.
Péguy põe na boca do próprio Deus as maravilhosas características da virtude
teologal da esperança. Enquanto Deus afirma não se surpreender nem com a
fé nem com a caridade, ele não pode deixar de surpreender-se e mesmo
assustar-se com a esperança, a quem chama “filhinha menor do bom Deus”.
O que o faz espantar-se – a Péguy e ao próprio Deus – é que os pobres seres
humanos, Seus filhos, vejam como as coisas estão indo hoje e creiam que amanhã
as coisas irão melhor. É o mais surpreendente e o mais maravilhoso efeito da
graça divina, ensina Péguy. E isso demonstra que a graça tem mesmo uma
força incrível, diz Deus.
A fé, para Péguy, é uma esposa fiel. A Caridade, mãe ardente e cheia de amor...
A esperança é uma menininha inexpressiva, que veio ao mundo no dia de Natal. E,
no entanto, continua o poeta, é esta menininha que atravessará os mundos.
Esta menininha que aparentemente não tem nenhuma importância, apenas ela,
carregando as outras, será a que atravessará os mundos revoltos.
Pois a fé vê apenas aquilo que é. A esperança vê o que será. A
caridade ama aquilo que é. A esperança ama o que será. E – termina o
poeta com gênio e beleza – a esperança vê o que será no tempo e na
eternidade. Por assim dizer, o futuro da própria eternidade.
Nestes tempos que vivemos nunca estivemos tão necessitados de esperança.
Pois se não estiver presente, como poderemos enfrentar o hoje e olhar o amanhã
sem medo, sem susto? Como poderemos crer que ainda haverá sorriso,
tranquilidade, paz e bem estar para nós e as pessoas que amamos quando tudo se
anuncia tão ameaçador?
Equilibrista nos tempos da ditadura, anos de chumbo onde parecia que se
esboroavam as possibilidades e as chances de futuro, foi ela que sustentou a
força dos que militaram, sofreram e foram torturados nos porões de um regime
tirânico e espúrio. Ela igualmente que na sua corda bamba e de sombrinha
manteve o ânimo dos que, aqui na pátria mãe, tinham todas as razões para não
esperar mais nada. E que à força de esperar viram raiar a aurora da
liberdade e serem vencidas as forças do obscurantismo.
Assim, hoje, inspirados por Péguy e a poucos dias de uma renhida eleição
presidencial, vencemos a tentação do desânimo, que nos diz que nada de novo e
de bom poderá mais vir. Tudo está desgastado, roto, escuro e
nebuloso. A esperança, filhinha menor de Deus, nos sussurra com sua
vozinha doce ao ouvido que amanhã será melhor, pois Deus não abandona seus
filhos e desde sua eternidade ouve seus clamores e gemidos em meio aos
conflitos da história.
Maria Clara Bingemer , professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio, acaba de lançar FINITUDE E
MISTÉRIO – MÍSTICA E LITERATURA MODERNA , em coautoria (Editoras Mauad
e PUC-Rio).
Copyright 2014 – MARIA CLARA
LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio
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