Por Assuero Gomes
Os anjos são criaturas estranhas.
Muitos são solitários, outros caminham de dois em dois. Raramente se aglomeram.
Não falam. São taciturnos. Podemos vê-los sobre alguns edifícios, nos
hospitais, especialmente nas enfermarias. Não se olham entre si.
Estão nas grandes catástrofes e
nos desastres. Contam os corpos. Não entendem bem os humanos. Ficam
impressionados como podemos ser tão cruéis às vezes, e ao mesmo tempo
capazes de gestos de profunda misericórdia e desprendimento.
Na maioria das ocasiões ficam apenas
observando, esperando, pela manifestação do livre arbítrio dos homens e das
mulheres. Estão nas creches, nos parques de diversão, nos velórios. Como não
envelhecem nem esquecem, acompanham pessoas durante toda suas vidas. Reúnem-se
ao entardecer e na alvorada. Questionam-se silenciosos o porquê de não
terem a mesma liberdade que os humanos. Estão nas igrejas, nos templos e
nos prostíbulos. Nos comícios e nos grandes eventos, mas especialmente se
comovem ao nascimento de uma criança e ao seu final de vida quando anciãos. São
fieis, imperceptíveis. Falta-lhes o improviso, o rompante, a cólera, o arroubo,
o medo, a surpresa, a dor, o sofrimento, a alegria incontida, o delírio, a
instabilidade, a genialidade, a paixão.
São quase cartesianos no seu
caminhar. Apenas obedecem e acompanham esse breve tempo de cada homem e mulher.
Não entendem, tampouco, a paixão cega que o Criador tem por esses seres tão
frágeis e finitos e cheios de insegurança.
Estão juntos aos suicidas. Um
anjo para cada um. Aos corpos insepultos também estão juntos, nos asilos, nos
blocos cirúrgicos, nas maternidades. Evitam bares e restaurantes, esperam às
suas portas. Os anjos das madrugadas, dos bêbados, dos drogados. Ficam nas
esquinas sem luz.
A vida dos anjos é perene. Há
anjos viajantes. Outros questionam o sentido da sua própria existência. Não há
anjos nas ermidas nem nos bosques. Nas igrejas ficam dois, durante todo tempo,
desde o dia da consagração do lugar.
Não falam sobre Deus, não sentem
fome nem sede, nem frio nem calor, nem atração nem repulsão. São incólumes. Não
caem nem se levantam, nem levitam nem gravitam. São apenas anjos. Um pouco
superiores aos humanos na racionalidade pois não temem a morte nem o
sofrimento. Não se permitem percebê-los, e sua presença se exprime na ausência.
Quando alguma pessoa humana se apercebe da presença da pessoa angélica é numa
sensação fugaz, como uma impressão. São apenas anjos. Sem asas ou decisões.
Apenas anjos que acompanham peregrinos na curta e efêmera passagem dos humanos
na Terra. Há que se supor que, alguns sentem como que uma saudade, quando
se despedem dos que foram habitar com o Pai, ao caminharem com seus protegidos
pela estrada derradeira, mas dessa saudade não se tem conhecimento, apenas
suposição.
Gostam de música e de olhar as nuvens
quando empurradas pelos ventos, especialmente aos tons rubros do por do sol.
São apenas anjos.
Assuero Gomes é médico pediatra, pintor e escritor
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