Por Maria Clara Lucchetti
Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
O noticiário vaticano avisa que o Papa proclamou publicamente o martírio do
grande arcebispo salvadorenho Oscar Arnulfo Romero Galdámez. Isso significa que
em breve o reconhecido mártir Monsenhor Romero deverá ser beatificado.
Seu martírio reconhecido pelo Santo Padre foi encaminhado para a Congregação da
Causa dos Santos.
A beatificação será o primeiro
estágio do reconhecimento, por parte da Igreja, da santidade deste servo fiel,
desta Testemunha do Cordeiro. Há muito esperada, enche de júbilo não apenas o
povo de Deus que vive em El Salvador, mas todos os cristãos da América Latina e
de outras partes do mundo que já viam Romero como mártir e invocavam sua
intercessão junto a Deus.
Assassinado enquanto celebrava a missa no dia 24 de março de 1980, por um
atirador de elite a soldo do governo repressor de seu país, a cuja violência se
opunha duramente ao defender os pobres que eram mortos diariamente em uma
guerra fratricida, Monsenhor Romero é um mártir. Sem dúvida alguma. Só
espanta que sua beatificação haja demorado tanto.
No entanto, ao lado da iluminada figura do tão amado Romero, chamam a atenção
três outros nomes e rostos. Homens ainda jovens, dois poloneses - Michele
Tomaszek e Sbigneo Strzałkowski - e um italiano - Alessandro
Dordi -, dois franciscanos e um sacerdote diocesano, também são reconhecidos
mártires. Trabalhavam todos no Peru, na região de Santa, e foram mortos
em 1991, nos tempos difíceis do Sendero Luminoso, grupo guerrilheiro que deixou
muitas vítimas e assassinatos atrás de si.
Enquanto Monsenhor Romero é mais do que conhecido, venerado e sua vida e ação
servem de inspiração para homens e mulheres de todas as latitudes e idades, os
outros três são bem menos conhecidos. Figuras anônimas que, longe de suas
pátrias e famílias, entregavam a vida na cotidianidade do serviço aos pobres
também anônimos da região de Chimbote, uma das mais pobres do Peru.
As biografias desses três homens, europeus que viveram seu ministério na
América Latina, fazendo um trabalho obscuro, sem reconhecimentos
visíveis, são praticamente desconhecidas. Do Pe. Dordi, sabe-se que era
de Bergamo, trabalhou sempre junto aos pobres, na Suíça e em outros lugares, e
pertencia à Comunidade Paradiso.
Dos dois poloneses, sabe-se que pertenciam à ordem dos franciscanos
conventuais, um dos três ramos da família franciscana. E pouco mais.
Pelas fotos que a internet veicula se vê que eram ainda bastante jovens e usavam
barba. Talvez com o avanço de seu processo de beatificação, decorrência
natural de seu martírio, se possa conhecer um pouco mais sobre suas vidas.
No entanto, a escassez de dados biográficos é compensada pelo selo de suas
vidas, com a morte violenta sofrida em fidelidade ao seguimento de Jesus. Sobre
Monsenhor Romero abundam os escritos, as homilias gravadas e publicadas em
vários idiomas, as fotos, os ensaios e teses escritas sobre sua pessoa e seu
pensamento e espiritualidade.
Chama a atenção nesses mártires, agora reconhecidos e celebrados pela Mãe
Igreja, a variedade dos perfis e das trajetórias, em dialética e fecunda
tensão com o carisma de uma mesma vocação: o seguimento radical de Jesus
Cristo e a disponibilidade de dar suas vidas para testemunhar a fé e o
Evangelho.
Como diz o grande filósofo francês Jean Luc Marion, pecadores e traidores é o
que mais existe na Igreja. O extraordinário, o surpreendente, é que ela
ainda seja capaz de produzir santos. A notícia de hoje é portadora desse alento
e dessa esperança.
Pouco importam os pecados, o contra testemunho, a covardia nossa de cada dia;
os escândalos, as barbaridades e atrocidades cometidas em nome de uma
hipocrisia travestida de fé. Enquanto ainda houver pessoas, homens e
mulheres, que prefiram morrer a ser infiéis e apartar-se do caminho de Jesus, a
Igreja de Cristo é viva e cheia de força.
Os que matam pessoas sempre chegam tarde. As balas e a violência não
conseguem neutralizar a luz que o testemunho irradia. Como bem diz o
bispo-poeta Pedro Casaldáliga a respeito de Mosenhor Romero: “Ninguém
conseguirá calar tua última homilia.”
A teóloga é autora de
“Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
Copyright 2014 – MARIA
CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>
Nenhum comentário:
Postar um comentário