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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

ESTADO LAICO INTEGRA DIREITOS HUMANOS



Por Juracy Andrade


Na contramão da liberdade de culto, algumas igrejas protestantes e muitos políticos teimam em desconstruir o edifício do Estado laico, tão frágil apesar de instituído constitucionalmente desde os albores da República. A presidente Dilma, que inicia o segundo mandato com um governo do Bradesco e dos ruralistas, corre a prestigiar a inauguração de mais um templo (melhor dizendo, financeira) do autonomeado bispo Edir Macedo. Candidatos a postos eletivos buscam avidamente o apoio de líderes protestantes e das assim ditas “bancadas evangélicas”. Até ministérios são confiados a pastores. O do Esporte, por exemplo, George Hilton, que de esporte entende tanto quanto o comunista descafeinado Aldo Rebelo, ganhou a pasta por ser filiado ao PRB (Partido Republicano Brasileiro, que ironia!), braço político de Macedo e de sua teologia da prosperidade. Hilton é conhecido principalmente por ter sido detido no Aeroporto da Pampulha (MG) com onze malas e mais umas caixas de dinheiro.

A ONG Atletas pelo Brasil, que reúne dezenas de jogadores de várias modalidades esportivas, incluindo Gustavo Borges (natação), Hortência (basquete) e Ana Moser (vôlei), apitou em nota: “Infelizmente, há anos, o Ministério do Esporte é usado na barganha política”. E tem mais: o homem das caixas de dinheiro goza da simpatia dos herdeiros de João Havelange e de Ricardo Teixeira na CBF, José Maria Marin e Marco Polo del Nero.

Bem, o meu objetivo não é falar de esportes, mas de Estado republicano laico. Desde a mais longínqua antiguidade, a religião e os deuses fizeram parte integrante do Estado, da sociedade, da cultura. Inclusive entre os judeus. Tanto que um dos motivos do desentendimento e distância entre judeus e cristãos é o fato de o nosso mestre Jesus Cristo pregar a extensão do Reino de Deus a todos os povos da Terra. Fruto, no Ocidente, do iluminismo, do enciclopedismo e da Revolução Francesa, o Estado laico ou secular é aquele que é independente de qualquer organização ou confissão religiosa, em que as autoridades políticas (de qualquer poder do Estado) não aderem publicamente a nenhuma religião e onde as crenças religiosas não influem na política, no governo, na administração.

É a definição mais clara e usual do conceito de Estado Laico: Estado em que se prescinde, por exemplo, do ensino religioso e que é independente de qualquer influência de qualquer religião. Claro que tudo isso deve ser entendido dentro de um contexto de ampla liberdade de qualquer um e qualquer agremiação religiosa, todos com direito à liberdade religiosa, isto é, a praticar sua religião sem ser impedido pelo Estado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, inclui a liberdade de religião para qualquer pessoa entre as que nela são proclamadas. Em seu artigo 18, consta que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, direito que inclui a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como liberdade de manifestar sua religião ou crença individual e coletivamente, em público e privadamente, pelo ensinamento, a prática, o culto e a observância.

Deve-se levar em conta, no entanto, conforme modernas constituições, que a ordem pública é o limite para essas liberdades (tipo: o meu direito termina quando começa o do outro). Os fiéis de uma confissão religiosa são obrigados a respeitar os direitos humanos. O exercício da liberdade religiosa não pode atentar contra a ordem pública. Abro uma digressão para fazer dois comentários.

O primeiro se refere à barulheira de certas manifestações religiosas, que tiram o sossego e o sono da vizinhança, invadindo o espaço do direito alheio. E ao fato de o governo brasileiro ter sido levado a instituir ensino religioso em escolas públicas (imposição dos assim ditos evangélicos?). Além de o presidente Lula se ajoelhar aos pés do papa. Um chefe de Estado não pode fazer isso, mesmo sendo católico.

O segundo é quanto a uma interpretação exagerada e equivocada do que é ordem pública. Por exemplo, quando o governo direitista francês de Nicolas Sarkozy proibiu as garotas muçulmanas de usar o véu na escola e de portar símbolos religiosos. Um destempero. Mulheres católicas usaram véu durante séculos. E os católicos não usam cruzes, os judeus não usam a estrela de Davi, o quipá? Burca, sim, é justo proibir, pois, além de anti-higiênico, a pessoa poderia carregar ali debaixo um arsenal. E, quando digo isto, não estou associando muçulmanos a terrorismo. Quem praticou o terrorismo de Hiroshima-Nagasaki? E o terrorismo das Cruzadas, da Inquisição, do colonialismo?

No Brasil, a Igreja resmungou muito e demorou a aceitar o laicismo do Estado republicano. Até hoje ainda há quem não aceite a Constituição. Apesar de o Concílio Vaticano 2º haver proclamado, na declaração Dignitatis humanae, que a Igreja aceita a liberdade religiosa. Mas muitas confissões protestantes continuam brigando para tomar o Estado de assalto. Muitos católicos também continuam defendendo símbolos como cruz em tribunais e outras práticas que em nada contribuem para a manutenção de um Estado laico que só fez bem à liberdade religiosa, à religião (qualquer uma) e à Igreja.


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Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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