por Maria
Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Faz 50 anos que, com o Concilio
Vaticano II chegando já ao seu fim, 40 bispos latino-americanos, na sua
maioria, se reuniram na catacumba de Santa Domitila, em Roma, para fazer um
pacto. Tratava-se de um compromisso de vida de todos eles – chamado O
Pacto das Catacumbas – e marcou o início de uma nova espiritualidade entendida
como um novo modo de ser Igreja e viver o Evangelho em meio aos pobres.
No texto assinado pelos bispos
existem vários elementos que dizem respeito à conversão pessoal para uma mudança
nos aspectos pessoais da vida de cada um. O que representou esta conversão?
Primeiro, um "ser como o
povo". Em outras palavras, ser tão humano quanto possível, semelhante e
próximo de todos os irmãos e irmãs na humanidade, de uma forma estreita e
fraterna. Assim, de acordo com os signatários do pacto, por exemplo, o
episcopado deve deixar de ser uma dignidade que afasta e exige elementos de
conforto e luxo, para ter a vida simples e humilde de um servo dos
outros.
É isso o que é claramente
indicado logo no começo do texto, quando diz que seus signatários irão se
esforçar para viver de acordo com o modo ordinário da nossa
população a respeito de moradia, alimentação, meios de
transporte, e, portanto, tudo que daí deriva. Trata-se de uma decisão de mudança
radical de estilo de vida. Há que sair dos palácios episcopais e ir viver
em uma casa simples, como a maioria das pessoas; deixar para trás as refeições
finas e elegantes, para alimenta-se como a grande maioria das pessoas; utilizar
o transporte público em vez de carros particulares.
Cada parágrafo implica uma
decisão forte e profunda que realmente leva a vida em outra direção. E há
muitos outros detalhes em outros pontos do pacto destinados a que a conversão
radical e a experiência nas profundezas de cada um dos signatários conduzam a
uma espiritualidade evangélica de estar perto e viver como os pobres.
Por exemplo, a renúncia não vem
apenas com relação à posse de propriedade, mas até mesmo com respeito à
aparência de riqueza no vestir, nos símbolos utilizados (como cruz peitoral,
báculo, mitra). Isso significa que o bispo não deverá ser uma figura que impõe
por sua aparência, mas que se confunde com as pessoas comuns. Nesse sentido, os
bispos se sentem chamados a ser como os primeiros apóstolos, de quem são
sucessores, e não têm "nem ouro nem prata", mas apenas a Jesus de
Nazaré como prêmio e ornamento.
Com relação à posse de bens, o
pacto estabelece expressamente que os seus signatários não herdarão
propriedades "móveis ou imóveis" e não deverão possuir nada, como os
pobres de seu povo, que não têm onde reclinar a cabeça e são forçados, às
vezes, a erguer casas pobres com suas próprias mãos, para depois vê-las serem
destruídas por chuvas torrenciais, inundações, incêndios, tempestades ou outros
desastres.
O pacto coloca os bispos também
longe do sistema financeiro capitalista, já que declaram querer abrir mão das
próprias contas bancárias e tudo o que daí deriva: crédito, dinheiro fácil,
cartão de crédito etc. Em suma, tudo o que dá segurança em um sistema que
valoriza o dinheiro acima de todas as coisas e os pobres jamais podem alcançar.
No entanto, realisticamente entendem que às vezes deverão lidar com a posse de
algum bem. Mas nada é em nome próprio; ao contrário, tudo em nome da diocese ou
obras sociais ou de caridade.
Em apoio a esta decisão de viver
na contramão do mundo e do sistema em que estão inseridos, citam os textos
bíblicos de Mt 6, 19 e Lucas 12, 33s que não recomendam ajuntar tesouros aqui
na terra, pois se estará exposto à ação predatória do tempo e ladrões. É melhor
vender o que se tem e dar em esmolas. O tesouro de um discípulo e apóstolo de
Jesus Cristo deve estar no céu, no Reino do Pai. Só então não vai ser corroído
ou destruído. Ou tem que ser dado, doado para quem precisa, e assim estar no
lugar onde Deus quer. Onde está o tesouro, lá também estará o coração, e o
coração de um pastor tem que estar com suas ovelhas, sensível às suas
necessidades e pedidos para encontrá-los e satisfazê-los.
Em seguida, vem tudo o que diz
respeito ao prestígio e honras que um bispo é quase sempre obrigado a
receber. Entre os quais os títulos que a Igreja naqueles 20 séculos se
acostumou a dar àqueles que têm alguma função eclesiástica. Vale a pena ler por
extenso as inspiradoras palavras que os bispos usam para essas resoluções:
5. Rejeitamos que verbalmente ou
por escrito nos chamem por nomes e títulos que expressam grandeza e poder
(Eminência, Excelência, Monsenhor ...). Nós preferimos ser chamados com o nome
evangélico de “padre” (pai).
6. Em nosso comportamento e
relações sociais, evitar qualquer coisa que possa parecer concessão de
privilégios, precedência ou preferência para os ricos e poderosos (por exemplo,
banquetes oferecidos ou aceitos nos serviços religiosos).
Sementes plantadas dão novos
frutos, novos fertilizantes. A orientação do Papa Francisco, neste primeiro ano
como sucessor de Pedro, certamente sinaliza uma grande alegria no
prosseguimento dos sonhos de Dom Helder e dos outros signatários do Papa antes
do Concílio Vaticano II. Tudo isso encontramos comprovado em sua
exortação “A alegria do Evangelho”. Mas também em seus gestos procurando a
cicatrização de feridas e em seus trabalhos resgatando aspectos fundamentais
esquecidos do Vaticano II. Tudo isso permite esperar que se vá gestando uma
igreja servidora do mundo, com um vínculo indissolúvel com os pobres, e um
convite constante a viver a pobreza evangélica.
A teóloga é autora de “Simone
Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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