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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A VIDA DEPOIS DE AUSCHWITZ

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

  


No fim de janeiro, o mundo inteiro celebrou com seriedade e compunção um macabro aniversário: os 50 anos da tomada do campo de Auschwitz, coincidindo com o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho libertou o campo de concentração de Auschwitz, o maior do regime nazista. Era o fim de um espaço que se tornou o símbolo do ódio, da violência organizada e do racismo. Em suas câmaras de gás e crematórios foram mortas pelo menos 1 milhão de pessoas. No auge do Holocausto, em 1944, eram assassinadas 6 mil pessoas por dia. Auschwitz tornou-se sinônimo do genocídio contra os judeus, ciganos, eslavos, comunistas, homossexuais e outros grupos perseguidos pelo III Reich.

Teatro do maior crime contra a humanidade de que se tem notícia, Auschwitz, situado na Polônia, abrigou atrás de seus muros uma história de horrores que jamais prescreverá.  Pois, segundo o Direito Internacional, o genocídio não prescreve.  E não prescreve porque significa a exterminação sistemática de pessoas, tendo como principais motivações as diferenças de nacionalidade, raça, religião e, sobretudo, étnicas. É uma prática que visa a eliminar minorias étnicas em determinada região.

Genocídio é sinônimo de extermínio. A palavra é derivada do grego "genos", que significa "raça", "tribo" ou "nação", e do termo de raiz latina "-cida" que significa "matar". O termo foi criado por Raphael Lemkin, um judeu polonês, jurista e que foi conselheiro no Departamento de Guerra dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A tentativa de extermínio total do povo judeu pelos nazistas, conhecida desde então por Holocausto (Shoa em hebraico), foi o que levou Lemkin a lutar para que o conceito fosse aplicado à ação nazista na Segunda Guerra.  A palavra passou a ser usada após 1944 e permanece até hoje para designar não apenas o holocausto, mas também outros extermínios em massa por motivos de discriminação e separatismo.

O campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau foi criado em 1940, a cerca de 60 quilômetros da cidade polonesa de Cracóvia. Concebido inicialmente como centro para prisioneiros políticos, o complexo foi ampliado em 1941, passando a receber os que passavam pelos campos de triagem, a fim de submetê-los a trabalhos forçados, torturas, experimentos científicos laboratoriais ou cirúrgicos e levá-los à morte.  

Nunca houve na história um genocídio tão documentado.  Cada prisioneiro era minuciosamente registrado e posteriormente, ao fim da guerra, a humanidade pôde seguir as pegadas do calvário vivido por cada um ou cada uma.  As execuções em massa eram realizadas nas câmaras de gás com o composto Zyklon B, altamente tóxico. Usada em princípio para combater ratos e desinfetar navios, a substância mata em questão de minutos quando entra em contato com o ar. Os corpos eram, então, incinerados em enormes crematórios.

Os prisioneiros que sobrevivessem eram obrigados a trabalhos forçados. Muitos morreram de fome, de fraqueza, de desespero. Outros tentaram fugir e foram capturados e enforcados diante de todos para servir de exemplo. Ao chegarem os soviéticos, 8 mil prisioneiros foram libertados, a maioria em situação deplorável devido ao martírio que enfrentaram.

O mundo que comemorou chorando a vitória dos aliados e dedicou-se a resgatar prisioneiros famélicos e moribundos, ao mesmo tempo em que cadáveres eram sepultados, defrontou-se então com a inevitável pergunta:  Como pode se conceber a vida depois de Auschwitz?  E como falar de Deus depois de Auschwitz? Esta pergunta ainda não se encontra respondida, pois a humanidade, após o horror da guerra, continua produzindo outros genocídios e extermínios em massa, com outros protagonistas e por outras causas. E, paralelamente, tenta distrair-se com a sociedade do espetáculo e do consumo, para anestesiar memórias e não olhar nos olhos dos cadáveres ambulantes produzidos por Auschwitz e pelos outros extermínios que a criatividade humana fabrica sem cessar.

Mas Deus, este sim, continua falando e fazendo ouvir sua voz. E sua voz não soa forte e tonitruante como a dos carrascos nazistas dando ordens no campo e organizando a morte.  Ele fala com o fio de voz das vítimas, em seu discurso suplicante e vulnerável, proclamando, no entanto, a dignidade da vida.  Portanto, a vida depois de Auschwitz só pode ser uma vida ressuscitada, que passou pela morte e não foi por ela destruída, mas pela força do Espírito levantou-se do túmulo e espalhou a alegria que nada pode destruir.  Que o macabro jubileu de Auschwitz possa ajudar a humanidade a cultivar a memória subversiva das vítimas, a fim de não repetir tragédias e dedicar-se a cuidar da vida.

  A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)

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