Por Maria Clara Lucchetti
Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
No fim de janeiro, o mundo
inteiro celebrou com seriedade e compunção um macabro aniversário: os 50 anos
da tomada do campo de Auschwitz, coincidindo com o fim da Segunda Guerra
Mundial. Em 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho libertou o campo de concentração
de Auschwitz, o maior do regime nazista. Era o fim de um espaço que se tornou o
símbolo do ódio, da violência organizada e do racismo. Em suas câmaras de gás e
crematórios foram mortas pelo menos 1 milhão de pessoas. No auge do Holocausto,
em 1944, eram assassinadas 6 mil pessoas por dia. Auschwitz tornou-se sinônimo
do genocídio contra os judeus, ciganos, eslavos, comunistas, homossexuais e
outros grupos perseguidos pelo III Reich.
Teatro do maior crime contra a
humanidade de que se tem notícia, Auschwitz, situado na Polônia, abrigou atrás
de seus muros uma história de horrores que jamais prescreverá. Pois,
segundo o Direito Internacional, o genocídio não prescreve. E não
prescreve porque significa a exterminação sistemática de
pessoas, tendo como principais motivações as diferenças
de nacionalidade, raça, religião e, sobretudo, étnicas. É
uma prática que visa a eliminar minorias étnicas em determinada região.
Genocídio é sinônimo de
extermínio. A palavra é derivada do grego "genos", que significa
"raça", "tribo" ou "nação", e do termo de raiz
latina "-cida" que significa "matar". O termo foi criado
por Raphael Lemkin, um judeu polonês, jurista e que foi conselheiro no
Departamento de Guerra dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A tentativa
de extermínio total do povo judeu pelos nazistas, conhecida desde então por
Holocausto (Shoa em hebraico), foi o que levou Lemkin a lutar para que o
conceito fosse aplicado à ação nazista na Segunda Guerra. A palavra
passou a ser usada após 1944 e permanece até hoje para designar não apenas o
holocausto, mas também outros extermínios em massa por motivos de discriminação
e separatismo.
O campo de extermínio de
Auschwitz-Birkenau foi criado em 1940, a cerca de 60 quilômetros da cidade
polonesa de Cracóvia. Concebido inicialmente como centro para prisioneiros
políticos, o complexo foi ampliado em 1941, passando a receber os que passavam
pelos campos de triagem, a fim de submetê-los a trabalhos forçados, torturas,
experimentos científicos laboratoriais ou cirúrgicos e levá-los à morte.
Nunca houve na história um
genocídio tão documentado. Cada prisioneiro era minuciosamente registrado
e posteriormente, ao fim da guerra, a humanidade pôde seguir as pegadas do
calvário vivido por cada um ou cada uma. As execuções em massa eram
realizadas nas câmaras de gás com o composto Zyklon B, altamente tóxico. Usada
em princípio para combater ratos e desinfetar navios, a substância mata em
questão de minutos quando entra em contato com o ar. Os corpos eram, então,
incinerados em enormes crematórios.
Os prisioneiros que sobrevivessem
eram obrigados a trabalhos forçados. Muitos morreram de fome, de fraqueza,
de desespero. Outros tentaram fugir e foram capturados e enforcados diante de
todos para servir de exemplo. Ao chegarem os soviéticos, 8 mil prisioneiros
foram libertados, a maioria em situação deplorável devido ao martírio que
enfrentaram.
O mundo que comemorou chorando a
vitória dos aliados e dedicou-se a resgatar prisioneiros famélicos e
moribundos, ao mesmo tempo em que cadáveres eram sepultados, defrontou-se então
com a inevitável pergunta: Como pode se conceber a vida depois de
Auschwitz? E como falar de Deus depois de Auschwitz? Esta pergunta ainda
não se encontra respondida, pois a humanidade, após o horror da guerra,
continua produzindo outros genocídios e extermínios em massa, com outros
protagonistas e por outras causas. E, paralelamente, tenta distrair-se com a
sociedade do espetáculo e do consumo, para anestesiar memórias e não olhar nos
olhos dos cadáveres ambulantes produzidos por Auschwitz e pelos outros
extermínios que a criatividade humana fabrica sem cessar.
Mas Deus, este sim, continua
falando e fazendo ouvir sua voz. E sua voz não soa forte e tonitruante como a
dos carrascos nazistas dando ordens no campo e organizando a morte. Ele
fala com o fio de voz das vítimas, em seu discurso suplicante e vulnerável,
proclamando, no entanto, a dignidade da vida. Portanto, a vida depois de
Auschwitz só pode ser uma vida ressuscitada, que passou pela morte e não foi
por ela destruída, mas pela força do Espírito levantou-se do túmulo e espalhou
a alegria que nada pode destruir. Que o macabro jubileu de Auschwitz
possa ajudar a humanidade a cultivar a memória subversiva das vítimas, a fim de
não repetir tragédias e dedicar-se a cuidar da vida.
A teóloga é autora de
“Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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