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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O SONHO DA PAZ


Por Marcelo Barros



Nessa semana, o mundo inteiro recorda a memória do pastor Martin-Luther King. Nos Estados Unidos, há mais de 50 anos, através de uma ação não violenta, ele conduziu a luta da população negra pela igualdade social e por direitos civis. Enquanto ele vivia, a grande mídia norte-americana tentou destruí-lo de todos os modos possíveis. Depois que foi assassinado, o mundo fez dele um herói e o governo dos Estados Unidos teve de assumi-lo como um dos cidadãos norte-americanos mais importantes do século XX. Atualmente, o dia do aniversário de seu nascimento, 15 de janeiro, é consagrado como feriado nacional e celebrado sempre na terceira segunda feira do mês de janeiro.

Martin-Luther King afirmava: “Uma pessoa que não descobriu nada pela qual aceitaria morrer, não está ainda pronta para viver”. Ele  expressou essa causa maior pela qual viver e lutar no  discurso, considerado o mais importante feito nos Estados Unidos, durante o século XX. Em Washington, no 28 de agosto de 1963, nos degraus do Lincoln Memorial, ao encerrar a marcha por direitos civis, diante de mais de 200 mil pessoas, o pastor Martin- Luther King afirmou: “Eu tenho um sonho”. Apesar de ter proferidas há mais de 50 anos, suas palavras ainda se mantêm atuais e proféticas. O sonho era viver em um mundo no qual os seus filhos negros pudessem andar de cabeça erguida. Que eles pudessem conviver de igual para igual com seus colegas brancos, frequentar os mesmos colégios e participar dos mesmos ambientes sociais. “Sonho com um mundo no qual meus filhos sejam julgados por sua personalidade e não pela cor de sua pele”. Era o sonho de superar as divisões raciais e sociais que fazem desse mundo um vale de lágrimas.

Apesar das lutas do pastor Martin-Luther King nos Estados Unidos e do bispo Desmond Tutu na África do Sul, a discriminação e a desigualdade continuam a imperar. O racismo contra negros e principalmente se são negros pobres (e a maioria é), continua a ferir o mundo como uma chaga dolorosa. Além do apartheid social e econômico, a discriminação racial ainda continua forte. Nos Estados Unidos, de vez em quando, um policial de raça branca atira friamente em um rapaz pobre, simplesmente pelo fato dele ser negro. Seus familiares choram e os amigos protestam. Mas, a justiça permanece cega e surda. Em Los Angeles, ou outras cidades dos EUA, o ano de 2015 foi marcado por manifestações de massa em protesto contra assassinatos de rapazes negros, cometidos por policiais brancos. Na América Latina, quase sempre, ser negro é sinônimo de ser pobre. Quase diariamente, no Brasil, adolescentes e jovens são assassinados, simplesmente por serem negros e moradores de periferia. Em geral, a polícia tenta justificar esses assassinatos pelo tráfico de drogas. Quase sempre não há nenhuma prova disso. E se fosse, por isso, a polícia teria direito de atirar friamente para matar?  Agora, no dia 30 de dezembro, na rodoviária de Imbituba, SC, o pequeno Vítor Pinto, de dois anos, era alimentado no colo de sua mãe, quando foi assassinado por uma pessoa que se aproximou com uma lâmina que o degolou. A imprensa quase não denunciou esse crime, porque Vítor era um simples índio Kaingang.

Com relação a essa iniquidade, ainda ressoam as palavras do pastor Martin-Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais do que a violência de poucos, me assusta a omissão de muitos”. Em nossas cidades, onde bairros de classe alta convivem tão proximamente com casas pobres e barracos, um imenso muro de segregação e desamor separa uns dos outros. E muitas mães órfãs de seus filhos choram a crueldade do mundo. Nessa semana, a memória do pastor Martin-Luther King e o apelo do papa Francisco para um ano da misericórdia deveriam tocar em nossas vísceras mais profundas e criar em nós um sentimento de indignação profética e de mobilização social para que cesse o extermínio de jovens em nossas periferias.

A consagração de Luther King à causa da justiça e da paz veio de sua fé cristã. Para quem vive uma busca espiritual, seja em alguma religião, seja de forma independente, a espiritualidade é a capacidade de sonhar e lutar para que aquilo que sonhamos aconteça. Toda a Bíblia pode ser lida a partir da revelação de um projeto divino de paz, justiça e comunhão entre os seres humanos e com a natureza. O apóstolo Paulo escrevia aos cristãos de Roma: “Não se conformem com esse mundo. Procurem transformá-lo a partir da transformação interior de suas mentes” (Rm 12, 1).


 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 

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