Nessa semana, o mundo
inteiro recorda a memória do pastor Martin-Luther King. Nos Estados Unidos, há mais
de 50 anos, através de uma ação não violenta, ele conduziu a luta da população
negra pela igualdade social e por direitos civis. Enquanto ele vivia, a grande
mídia norte-americana tentou destruí-lo de todos os modos possíveis. Depois que
foi assassinado, o mundo fez dele um herói e o governo dos Estados Unidos teve
de assumi-lo como um dos cidadãos norte-americanos mais importantes do século
XX. Atualmente, o dia do aniversário de seu nascimento, 15 de janeiro, é
consagrado como feriado nacional e celebrado sempre na terceira segunda feira do
mês de janeiro.
Martin-Luther King
afirmava: “Uma pessoa que não descobriu nada pela qual aceitaria morrer, não
está ainda pronta para viver”. Ele
expressou essa causa maior pela qual viver e lutar no discurso, considerado o mais importante feito
nos Estados Unidos, durante o século XX. Em Washington, no 28 de agosto de
1963, nos degraus do Lincoln Memorial, ao encerrar a marcha por direitos civis,
diante de mais de 200 mil pessoas, o pastor Martin- Luther King afirmou: “Eu
tenho um sonho”. Apesar de ter proferidas há mais de 50 anos, suas palavras
ainda se mantêm atuais e proféticas. O sonho era viver em um mundo no qual os
seus filhos negros pudessem andar de cabeça erguida. Que eles pudessem conviver
de igual para igual com seus colegas brancos, frequentar os mesmos colégios e
participar dos mesmos ambientes sociais. “Sonho com um mundo no qual meus filhos
sejam julgados por sua personalidade e não pela cor de sua pele”. Era o sonho
de superar as divisões raciais e sociais que fazem desse mundo um vale de
lágrimas.
Apesar das lutas do
pastor Martin-Luther King nos Estados Unidos e do bispo Desmond Tutu na África
do Sul, a discriminação e a desigualdade continuam a imperar. O racismo contra
negros e principalmente se são negros pobres (e a maioria é), continua a ferir
o mundo como uma chaga dolorosa. Além do apartheid social e econômico, a
discriminação racial ainda continua forte. Nos Estados Unidos, de vez em
quando, um policial de raça branca atira friamente em um rapaz pobre,
simplesmente pelo fato dele ser negro. Seus familiares choram e os amigos
protestam. Mas, a justiça permanece cega e surda. Em Los Angeles, ou outras
cidades dos EUA, o ano de 2015 foi marcado por manifestações de massa em
protesto contra assassinatos de rapazes negros, cometidos por policiais
brancos. Na América Latina, quase sempre, ser negro é sinônimo de ser pobre. Quase
diariamente, no Brasil, adolescentes e jovens são assassinados, simplesmente
por serem negros e moradores de periferia. Em geral, a polícia tenta justificar
esses assassinatos pelo tráfico de drogas. Quase sempre não há nenhuma prova
disso. E se fosse, por isso, a polícia teria direito de atirar friamente para
matar? Agora, no dia 30 de dezembro, na
rodoviária de Imbituba, SC, o pequeno Vítor Pinto, de dois anos, era alimentado
no colo de sua mãe, quando foi assassinado por uma pessoa que se aproximou com
uma lâmina que o degolou. A imprensa quase não denunciou esse crime, porque Vítor
era um simples índio Kaingang.
Com relação a essa
iniquidade, ainda ressoam as palavras do pastor Martin-Luther King: “O que me
preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais do que a violência
de poucos, me assusta a omissão de muitos”. Em nossas cidades, onde bairros de
classe alta convivem tão proximamente com casas pobres e barracos, um imenso
muro de segregação e desamor separa uns dos outros. E muitas mães órfãs de seus
filhos choram a crueldade do mundo. Nessa semana, a memória do pastor
Martin-Luther King e o apelo do papa Francisco para um ano da misericórdia
deveriam tocar em nossas vísceras mais profundas e criar em nós um sentimento
de indignação profética e de mobilização social para que cesse o extermínio de
jovens em nossas periferias.
A consagração de Luther
King à causa da justiça e da paz veio de sua fé cristã. Para quem vive uma
busca espiritual, seja em alguma religião, seja de forma independente, a
espiritualidade é a capacidade de sonhar e lutar para que aquilo que sonhamos
aconteça. Toda a Bíblia pode ser lida a partir da revelação de um projeto
divino de paz, justiça e comunhão entre os seres humanos e com a natureza. O
apóstolo Paulo escrevia aos cristãos de Roma: “Não se conformem com esse mundo.
Procurem transformá-lo a partir da transformação interior de suas mentes” (Rm
12, 1).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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