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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

AS LÁGRIMAS DO PRESIDENTE


Por Maria Clara Bingemer 


                  
Se o machismo da nossa sociedade ensina que homem não chora, o que dizer quando esse homem é o presidente dos Estados Unidos, nação mais poderosa do mundo?  Talvez por isso mesmo tenha sido tão tocante e surpreendente ver lágrimas rolando pela face ossuda e usualmente serena do presidente Obama.

Seu choro foi de impotência, raiva, compaixão... ou todos esses sentimentos somados. Em suas palavras, enquanto pronunciava discurso pelo controle das armas de fogo, homenageava as vítimas das mesmas, sobretudo as de pouca idade: “de estudantes em Columbine a alunos da primeira série em Newton, todas as famílias que nunca imaginaram que uma pessoa querida seria tirada de suas vidas pela bala de uma arma de fogo. Fico furioso cada vez que penso nessas crianças.” 

O presidente negro enfrenta uma barreira difícil: o lobby dos fabricantes de armas estadunidenses, organização poderosa que apoia o armamento dos cidadãos do país. Por isso, Obama vai com cautela.  Pretende reforçar o controle de antecedentes dos compradores de armas de fogo nos EUA, inclusive pela internet. Deseja igualmente que nos estados da federação as autoridades locais informem ao centro de dados nacional as estatísticas criminais sobre pessoas diagnosticadas com transtornos mentais ou antecedentes de violência familiar. Quer, além disso, que os vendedores de armas informem sobre roubos e extravios, a fim de que o estado possa ter um controle das armas em circulação, onde e desde quando. Localizar e apreender armas roubadas é, sem dúvida, uma forma de reduzir tragédias  produzidas pelas mesmas.

Pretende também minimizar os riscos do porte de armas diminuindo sua periculosidade, com a obrigatoriedade de instalação de  um dispositivo para impeder que sejam ativadas quando manipuladas por usuário não  autorizado. Evitará, assim, que uma criança possa atirar e ferir ou matar alguém com armas de propriedade de seus pais. Quantos relatos já ouvimos sobre crianças que, brincando com armas dos pais, dispararam e ceifaram vidas ou provocaram danos irreparáveis a famílias e comunidades inteiras, inclusive ao futuro da própria criança.

O presidente sabe que conta com a oposição de boa parte do congresso.  Se é verdade que uma parte significativa o apoia, a outra é radicalmente contra sua posição neste sentido. O Partido Republicano não esconde seu apoio incondicional ao uso de armas no país. Mas não se limita a isso: convoca a nação a não mais ignorar a série de atentados que tem acontecido em vários lugares, mas sobretudo em escolas.

O presidente já não pretende mais recorrer “às constantes desculpas de sempre para a falta de ação.” Declara que não funcionam mais, evocando e citando o grande Martin Luther King, que morreu assassinado há 50 anos, defendendo a paz.

Porém, além de Martin Luther King, há certamente outro inspirador para a posição de Obama e seu desejo aparentemente firme e inabalável de conseguir diminuir potencialmente as mortes provocadas pelo uso indiscriminado das armas nos EUA. Recente no tempo e em nossa memória está o discurso do papa Francisco ao Congresso estadunidense. Todos recordamos as corajosas palavras do pontífice quando questionou abertamente o livre comércio de armas: “Por que há tantas armas mortais sendo vendidas àqueles que pretendem infligir sofrimento a indivíduos e sociedades?” Se corajosa foi a pergunta, mais ainda a resposta dada pelo próprio papa: “Infelizmente a resposta, como todos nós sabemos, é: simplesmente por dinheiro; dinheiro encharcado de sangue, frequentemente de sangue inocente.” Francisco declarou em alto e bom som ser dever de todos acabar com o comércio de armas. 

Obama – citando Luther King -  acrescenta que não se pode mais inventar falsas desculpas.  É preciso agir. Sacudido pela emoção, vai dando passos concretos, um após o outro.  A luta não será fácil.

  Que Deus o ajude, assim como a todos aqueles que fazem qualquer esforço, por mínimo que seja, para diminuir o assustador poder da violência que ceifa vidas e dizima o futuro de gerações.

Por Maria Clara Bingemer, professora do departamento de teologia da PUC-Rio
A teóloga é autora de Teologia e literatura - Afinidades e segredos compartilhados (Ed. Vozes)
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