Por Maria Clara Bingemer
Se o machismo da nossa
sociedade ensina que homem não chora, o que dizer quando esse homem é o
presidente dos Estados Unidos, nação mais poderosa do mundo? Talvez por
isso mesmo tenha sido tão tocante e surpreendente ver lágrimas rolando pela
face ossuda e usualmente serena do presidente Obama.
Seu choro foi de
impotência, raiva, compaixão... ou todos esses sentimentos somados. Em suas
palavras, enquanto pronunciava discurso pelo controle das armas de fogo,
homenageava as vítimas das mesmas, sobretudo as de pouca idade: “de estudantes
em Columbine a alunos da primeira série em Newton, todas as famílias que nunca
imaginaram que uma pessoa querida seria tirada de suas vidas pela bala de uma
arma de fogo. Fico furioso cada vez que penso nessas crianças.”
O presidente negro
enfrenta uma barreira difícil: o lobby dos fabricantes de armas estadunidenses,
organização poderosa que apoia o armamento dos cidadãos do país. Por isso,
Obama vai com cautela. Pretende reforçar o controle de antecedentes dos
compradores de armas de fogo nos EUA, inclusive pela internet. Deseja
igualmente que nos estados da federação as autoridades locais informem ao
centro de dados nacional as estatísticas criminais sobre pessoas diagnosticadas
com transtornos mentais ou antecedentes de violência familiar. Quer, além
disso, que os vendedores de armas informem sobre roubos e extravios, a fim de
que o estado possa ter um controle das armas em circulação, onde e desde
quando. Localizar e apreender armas roubadas é, sem dúvida, uma forma de
reduzir tragédias produzidas pelas mesmas.
Pretende também minimizar
os riscos do porte de armas diminuindo sua periculosidade, com a
obrigatoriedade de instalação de um dispositivo para impeder que sejam
ativadas quando manipuladas por usuário não autorizado. Evitará, assim,
que uma criança possa atirar e ferir ou matar alguém com armas de propriedade
de seus pais. Quantos relatos já ouvimos sobre crianças que, brincando com
armas dos pais, dispararam e ceifaram vidas ou provocaram danos irreparáveis a
famílias e comunidades inteiras, inclusive ao futuro da própria criança.
O presidente sabe que
conta com a oposição de boa parte do congresso. Se é verdade que uma
parte significativa o apoia, a outra é radicalmente contra sua posição neste
sentido. O Partido Republicano não esconde seu apoio incondicional ao uso de
armas no país. Mas não se limita a isso: convoca a nação a não mais ignorar a
série de atentados que tem acontecido em vários lugares, mas sobretudo em
escolas.
O presidente já não
pretende mais recorrer “às constantes desculpas de sempre para a falta de
ação.” Declara que não funcionam mais, evocando e citando o grande Martin
Luther King, que morreu assassinado há 50 anos, defendendo a paz.
Porém, além de Martin
Luther King, há certamente outro inspirador para a posição de Obama e seu
desejo aparentemente firme e inabalável de conseguir diminuir potencialmente as
mortes provocadas pelo uso indiscriminado das armas nos EUA. Recente no tempo e
em nossa memória está o discurso do papa Francisco ao Congresso
estadunidense. Todos recordamos as corajosas palavras do pontífice quando
questionou abertamente o livre comércio de armas: “Por que há tantas armas
mortais sendo vendidas àqueles que pretendem infligir sofrimento a indivíduos e
sociedades?” Se corajosa foi a pergunta, mais ainda a resposta dada pelo
próprio papa: “Infelizmente a resposta, como todos nós sabemos, é: simplesmente
por dinheiro; dinheiro encharcado de sangue, frequentemente de sangue
inocente.” Francisco declarou em alto e bom som ser dever de todos acabar
com o comércio de armas.
Obama – citando Luther
King - acrescenta que não se pode mais inventar falsas desculpas. É
preciso agir. Sacudido pela emoção, vai dando passos concretos, um após o
outro. A luta não será fácil.
Que Deus o ajude, assim como a todos
aqueles que fazem qualquer esforço, por mínimo que seja, para diminuir o
assustador poder da violência que ceifa vidas e dizima o futuro de gerações.
Por Maria Clara Bingemer,
professora do departamento de teologia da PUC-Rio
A teóloga é autora de Teologia
e literatura - Afinidades e segredos compartilhados (Ed. Vozes)
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