Por Frei Betto
As palavras dançam, trocam de par e de país, andam de sandálias de dedo ou
salto alto. Gabriel García Márquez dizia que, ao escrever, espalhava sobre a
mesa vários dicionários, de modo que as palavras brigassem umas com as outras.
Pelo que se observa, há palavras chiques e banais. Em qualquer aeroporto, se
você viaja de classe econômica, a indicação da fila está assim mesmo, em
português. Porém, se embarca em classe executiva, então a palavra se veste em
Londres: business class. Ainda que viaje apenas por lazer, sem nenhum
propósito de fazer negócios.
Se tomar um café com uma fatia de bolo em casa, às quatro da tarde, isso é um
lanche. Se à mesma hora o lugar do café for em uma empresa, então muda de
figura – coffee break. Soa mais elegante, embora não necessariamente mais
farto e saboroso.
Todo idioma se gasta pelo uso e, também, pela submissão colonialista. Soa mais
charmoso o colonizado empregar termos proferidos pelo colonizador. A moda hoje
é o inglês, como foi o grego na Antiguidade e será, com certeza, o mandarim no
futuro.
Assim, há quem diga que trabalha full time. Jamais a faxineira usará essa
expressão. Dirá apenas que trabalha o dia todo, inclusive sem tempo para
aprender o que significa full time. E jamais ouvi quem trabalha meio
período dizer part time.
O anglicismo pega fundo. Liquidação virou sale. Ora, se a intenção do
lojista é vender o estoque, melhor anunciar isso em bom português, considerando
que apenas 5% da população brasileira domina fluentemente o inglês.
Outrora se dizia que fulano era diretor de vendas ou gerente comercial. Agora a
bossa é qualificá-lo de diretor de marketing. Se isso aumenta o volume de
vendas, dou a mão à palmatória. E sugiro aos novos escritores se qualificarem
como writers na tentativa de fazerem suas obras se tornarem best
sellers.
Se você se hospeda em um hotel estrelado certamente encontrará no apartamento
um kit de higiene. Só um hotel de baixa categoria ousa anunciar:
“Utensílios de higiene”.
Nos estádios, nos teatros, nas cerimônias, costuma ter uma ala vip.
Destinada a very important person – pessoa muito importante. Às
vezes, quem tem direito ao acesso à ala privilegiada nem tem alguma
importância, mas o dinheiro ou a função fala mais alto. “Ala das autoridades”
ou “ala das celebridades” seria adequado, desde que uma multidão pernóstica,
que nem é autoridade nem celebridade, não se considerasse tão importante.
Uma área que sofre de anglicismo crônico é a da informática. Mouse significa
rato. Mas soa menos repulsivo manipular um mouse que um rato.
E há expressões com prazo de validade. Meu pai se referia ao chato dizendo que
era um “sujeito pau”. Imbecil era tratado de boçal. Hoje em dia já não convém
dizer que me senti incomodado. Soa mais in falar que deixei minha
zona de conforto.
Muito eu teria a escrever sobre isso, mas como o jornal me impõe um deadline,
prazo para a entrega do texto, melhor parar por aqui.
Frei Betto é escritor,
autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
Copyright
2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar o artigo abaixo sem autorização do
autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer meio de
comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura
anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este
artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em
português, espanhol ou inglês - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário