Por Marcelo Barros
Nesse início de 2016, em meio à onda
de pessimismo e prognósticos de desesperanças que inundam o Brasil, temos uma boa
notícia: nesses dias (de 19 a 23 de janeiro) aconteceu em Porto Alegre um Fórum
Social que celebrou os 15 anos dos fóruns sociais. A meta era fazer um balanço
desse processo, analisar os desafios e apontar perspectivas para o futuro.
Dentro desse fórum mundial, realizou-se o Fórum Social da Educação
Popular. Nele, universidades, organizações de governo e o Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra partiram da convicção de que “uma verdadeira
e profunda democratização das sociedades passa necessariamente pela
democratização do conhecimento”.
De fato, devemos reconhecer que, nos
últimos 12 anos, no Brasil, a Universidade se tornou mais acessível às camadas
mais pobres. Há mais de 25 anos, a secretária de uma universidade pública
acompanha as matrículas. Ela garante que, até alguns anos, era raro uma família
pobre conseguir colocar seu filho ou filha na Universidade. Atualmente,
programas como PROUNI e outros têm ajudado a democratizar o acesso ao ensino
universitário. Isso não basta. Essa conquista deve ser valorizada, mas ainda há
um longo caminho a percorrer. É preciso abrir a universidade ao saber popular.
A metodologia acadêmica garante seriedade na pesquisa. Entretanto, quando se
fecha no racionalismo erudito, se torna árido e empobrece.
É preciso abolir o muro de divisão
que separa as universidades e as organizações e comunidades populares. A
educação popular que nasce nas comunidades negras e indígenas, na sabedoria do
povo da roça e nas tradições urbanas das diversas regiões do Brasil começa a
ser visto como algo que interessa às universidades não apenas como objeto de
pesquisa antropológica e sim como uma sabedoria que tem muito a nos dizer para
enfrentarmos as crises da sociedade atual. Na luta dos lavradores em defesa da
terra e das raízes crioulas, na caminhada dos operários e dos sem-teto nas
cidades e na organização dos povos indígenas, os princípios da educação popular
têm sido fundamentais e têm garantido muitos avanços e conquistas. Dessas
experiências, brota um modo de ver a vida que envolve teoria e prática. Contém
uma metodologia de educação que articula diversos saberes e experiências.
Assume as formas musicais e artísticas das culturas regionais e comunitárias.
Assim, procura sempre servir ao protagonismo das classes populares no trabalho
de transformação da sociedade.
Um dos pioneiros em elaborar uma
teoria da educação que uniu ciência e saber popular foi Paulo Freire. Esse
grande mestre nos ensinou o caminho: partir da realidade do educando e fazer
todo o processo da educação através do diálogo crítico e amoroso. E ter como
meta a transformação do mundo e concretamente da vida do povo. A alfabetização
de adultos iniciada por Paulo Freire e sua equipe conseguiu resultados
maravilhosos no Brasil, em Cabo Verde na África e em todos os países onde foi
experimentada. Sem dúvida, é um método a ser sempre atualizado e aprimorado,
mas seus princípios são até hoje válidos e fecundos. Através de elementos como
cânticos, danças, expressões artísticas e costumes, a educação popular nos
mostra que o comunitário tem prioridade sobre o individual, embora nunca passe
por cima das pessoas e dos direitos de cada um. A educação popular nos ajuda a
analisar a realidade social e a situação política brasileira. Essa passa a ser
vista, não pelos olhos da elite interessada em manter seus privilégios e sim a
partir dos interesses das camadas mais pobres do povo. E alimenta a confiança
de que outro modelo de sociedade é possível e urgente.
Esse fórum social, realizado em
Porto Alegre, colaborou para que se removam os muros que separam a cultura
acadêmica da educação popular. O diálogo das Igrejas cristãs e de outras tradições
religiosas com pessoas e organizações de base também têm se servido muito dos
princípios da educação popular. A metodologia do diálogo e a horizontalidade nas
relações devem estar nos processos de formação de jovens e adultos para viverem
uma fé amadurecida e crítica, inserida no mundo. Também no serviço social das
Igrejas aos lavradores e pobres das periferias urbanas, o diálogo aberto nos
aproxima da proposta de Deus. Na maioria das tradições, o Espírito Mãe se
revela a nós como Amor e nos indica o caminho da vida comunitária como sendo
meio de comunhão com o divino em nós e no universo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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