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quinta-feira, 28 de abril de 2016

DEUS E O BRASIL


 Por Frei Betto



      ― O que o Senhor achou de tantos deputados acusados de corrupção invocar seu Santo Nome em vão?

      ― Pelo amor de Mim, um horror! Meu Filho se lembrou dos fariseus hipócritas, aquela raça de víboras.

      ― O Senhor não está sendo muito rigoroso? São todos cristãos!

      ― Cristãos eram também Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e Pinochet. Posso não me intrometer muito nas mazelas humanas, mas uma coisa é certa: ninguém me engana. Não vejo cara nem coração. Fico de olho é na intenção.
      ― Mas pelo menos, nesse mundo tão descrente, foi um sinal de que ainda há quem creia no Senhor.

      ― Creem da boca pra fora e de olho no dinheiro pra dentro do bolso, ou de algum paraíso fiscal. Muitos ali adoram o bezerro de ouro, o deus do poder, da soberba e da demagogia. Falam em paz e apoiam a bancada da bala. Pregam o amor ao próximo e estimulam a homofobia. Carregam a Bíblia debaixo do braço e escorraçam de suas terras índios e quilombolas, pescadores e lavradores, para espalhar o gado.

      ― Homossexualidade não é pecado?

      ― Pecado é a falta de amor. Onde há amor, aí me faço presente.

      ― Mas há textos bíblicos que condenam a homossexualidade.

      ― Sim, como há outros que mandam passar ao fio da espada adeptos de outras religiões, como hoje faz o Estado Islâmico. Cada texto precisa ser lido dentro de seu contexto. É no mínimo desonestidade intelectual tirar pretextos preconceituosos de versículos bíblicos escolhidos segundo motivações que negam a qualquer ser humano a ontológica sacralidade de ter sido criado à Minha imagem e semelhança.

      ― Mas o Senhor não se sente lisonjeado com a bancada da Bíblia?

      ― Nunca deu certo a religião pretender monitorar a política. Por isso meu Filho entrou em choque com Pilatos e o Sinédrio judaico. Há quem julgue que o Cristianismo converteu o Império Romano no século IV. Foi contrário: Constantino logrou tornar a Igreja uma instituição imperial. E isso resultou em rupturas que hoje o papa Francisco tenta costurar, e na Inquisição, que pretendeu impor a fé a ferro e fogo. Política, Estado e partidos devem ser laicos. Todo fundamentalismo é nocivo. Lembre-se que meu Filho acolheu a mulher samaritana, considerada herege pelos judeus; a mulher fenícia, tida como idólatra; o centurião romano, adepto do paganismo, ressaltando a importância da tolerância religiosa.

      ― Deus, o Brasil tem jeito?

      ― Não enquanto houver estruturas injustas. Não importa quem venha a governá-lo. Podem até colocar remendos novos em pano velho, como esses programas sociais compensatórios. Aliviam mas não emancipam. Coço minha longa barba me perguntando: como, após 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, ainda há tantos sem-terra e sem-teto?

      ― E das pedaladas da Dilma, o que acha o Senhor?

      ― Ela faz muito bem de dar suas pedaladas matinais. Bicicleta não polui nem congestiona o trânsito. Quem atrapalha a República são aqueles que catam mosquitos no olho alheio e vivem engolindo camelos.

      ― Uma curiosidade, Senhor, já que és um ser onisciente: o Lula voltará à presidência?
      ― O maior eleitor dele se chama Michel Temer.
      ― O que vai dar no Senado?
      ― Esse futuro, felizmente, a Mim não pertence! Respeito a liberdade de voto dos senadores. E que tenham presente que estarão votando também na moldura que haverá de enquadrar suas biografias nas páginas da história do Brasil.
      ― Deus é brasileiro?
      ― Também, e vota na justiça como fonte de paz.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
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