Frei Betto
A Páscoa é a principal festa das
Igrejas cristãs: celebra a ressurreição de Jesus. Em sua origem, a grande festa
judaica comemora a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, em 1250 a.C.,
sob o reinado do faraó Ramsés II. Curioso é que, ao contrário das religiões
persas e mesopotâmicas, babilônicas e gregas, o judaísmo e o cristianismo não
celebram mitos, e sim fatos históricos.
Malgrado as obras de Feuerbach e
Renan e, posteriormente, o rasteiro ateísmo estalinista, hoje nenhum historiador
de respeito nega a existência histórica de Jesus, atestada por historiadores
não cristãos que lhe foram contemporâneos, como Flávio Josefo e Tácito.
Aliás, há mais documentos
científicos sobre a existência de Jesus que de Sócrates, que só conhecemos via
Platão. O que ultrapassa a historiografia é a crença em sua ressurreição, que
pertence à esfera da fé.
Os evangelhos registram a presença
de Jesus em Jerusalém por ocasião das festas pascais. Foi numa delas, a do ano
30, que ele, preso por blasfêmia e subversão, recebeu a pena capital e morreu
crucificado. Tinha 36 ou 37 anos de idade, pois hoje sabemos que o monge
Dionísio, o Pequeno, se equivocou, no século VI, ao calcular o início de nossa
era. Dionísio não conhecia o zero e está comprovado que Jesus já havia
nascido quando Herodes morreu, no ano 4 antes de nossa era.
A visão do tempo como processo
histórico marca profundamente a nossa cultura. A Bíblia herdou-a dos persas e,
assim, quebrou a circularidade grega. Três grandes pilares de nossos atuais
paradigmas o demonstram: Jesus, Marx e Freud. Todos três judeus. Para Jesus, a
nossa felicidade (salvação) decide-se por nossa capacidade de amar no terreno
da história. O Reino de Deus não é algo "lá em cima", mas sim lá na frente,
no futuro onde a história atinge a sua plenitude, em um mundo livre de
opressões, e também o seu limite, pela irrupção da presença divina entre nós.
Um dos efeitos mais nefastos do
neoliberalismo está condensado no famoso vaticínio de Fukuyama: "A
história acabou". É claro que o nipo-americano sabe muito bem que as
empresas transnacionais não pensam em deter seu ganancioso processo de
acumulação do capital e, portanto, sua história de cobiça e espoliação. O que
ele pretende sugerir é que nós, pobres mortais, devemos, como diria Dante hoje,
abandonar à porta do mercado toda esperança.
A Páscoa cristã sinaliza que,
malgrado tanta miséria e desesperança, em Cristo temos a certeza da vitória da
justiça sobre a injustiça e da vida sobre a morte. Aceitar que "a história
acabou" é cair no engodo da eternização do presente: a malhação que nos
promete eterna juventude; o apego aos bens como se fôssemos imortais; a
acumulação como se levássemos terras e tesouros para o além-túmulo; as drogas
como sucedâneo diabólico de uma geração que não aprendeu a sonhar com Jesus,
Gandhi, Luther King e Mandela.
É isto que a Igreja celebra hoje:
Cristo vive e sua vitória sobre os poderes deste mundo é a garantia de que os
sonhos brotados do coração e da fé são sementes de "um novo céu e uma nova
Terra", como prenuncia o Apocalipse. E, como diz a canção, um
sonho que muitos sonham se faz realidade.
Frei Betto é autor do romance sobre Jesus Entre todos os homens (Ática).
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