Por
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Em 2009, quando sua silhueta esguia se desenhou
contra o céu de sua cidade e ele disse: “Boa noite, Chicago!”, eu me emocionei
e escrevi: “Black is beautiful”. Agora, ao ouvi-lo dar o passo histórico
na ponte de relações com a ilha caribenha que tanto amo, emociono-me outra
vez. E escrevo sobre o presidente negro que ofereceu à população mestiça
de Cuba a rosa branca de José Martí.
Obama chegou na Ilha com toda a família. A
mim já me parece um sinal de que ia em missão de paz e com desejo de
diálogo. Ninguém leva a família, a mulher, as filhas, a sogra, a um lugar
hostil, onde vai cumprir uma missão espinhosa. Ver toda aquela bela
família desfilando de guarda-chuvas pelo território cubano era bonito. E
continua sendo.
As palavras ditas pelo presidente estadunidense em
seu último discurso também soaram a abertura, tolerância, harmonia. Sem
ingenuidade. Obama lembrou o fato de seu pai haver imigrado para os
Estados Unidos, vindo do Quênia, no ano em que aconteceu a revolução que
libertou a ilha da ditadura de Fulgêncio Batista. E ele mesmo nasceu no
ano em que sucedeu a invasão da Baía dos Porcos. Cresceu em um mundo onde
Estados Unidos e Cuba não dialogavam, cada um fechado no bloco a que pertencia
e sem disposição de ouvir o outro.
E ele parece feliz pelo fato de a ruptura desse
estado de coisas ter começado a acontecer em seu governo, mais exatamente no
final de seu segundo mandato. Era algo impensável há muito pouco tempo, a
tal ponto que corre por aí a piada de que isso só aconteceria no dia em que o
presidente dos Estados Unidos fosse negro e o Papa latino-americano. E
hoje isso se dá, é realidade. Por que não seria também o crescimento das
incipientes e ainda muito frágeis relações entre o irmão do Norte e a valente
ilha?
O presidente negro parece ter muita clareza sobre o
que o leva a Cuba: “Vim aqui enterrar os últimos remanescentes da Guerra Fria
nas Américas. Vim aqui estender a mão de amizade ao povo cubano.” E, ao
estendê-la, reconheceu as reais dificuldades para o diálogo, mas também as
muitíssimas afinidades dos dois países e os dois povos: a colonização europeia,
o doloroso passado marcado pela escravidão, a importância dos imigrantes na
construção do país. Citou grandes homens e intelectuais que se inspiraram e atuaram
no país vizinho: José Martí em Nova York, onde escreveu sua mais famosa obra;
Ernest Hemingway em Havana, Cuba.
Sente-se no discurso não apenas diplomacia, nem
elegante e superficial salamaleque para seduzir o adversário. Obama
procura tocar fundo na alma cubana, mencionando o santuário da Caridad de Miami
e a Cachita, em El Cobre, em Santiago de Cuba. Reconhece que até agora a
abertura do dialogo tem sido mais diplomática: abrir embaixadas, reatar
relações internacionais. Mas deixa claro que veio em busca de mais.
E para isso conta não apenas com o governo, mas com o povo cubano, que admira e
ao qual estende a mão.
Reconhece o presidente estadunidense que a política
de seu país com relação à Cuba até agora não funcionou. Admitamos que
reconhecer isso é um passo. Pode não ser tudo, pode não ser nem a metade
do caminho andado. Mas é um passo. E importante. Em um mundo
onde ninguém admite errar, muito menos as grandes potências, o presidente dos
Estados Unidos fazer mea culpa pela política externa de seu
país é grande. E muito grande.
Também me parece grande e digno o fato de o
discurso do presidente apontar as riquezas maiores que cada um dos dois países
tem e pode oferecer ao outro e ao mundo inteiro. Cuba tem um povo criativo,
inovador, inventivo, que sabe enfrentar e superar qualquer crise. Isso
vem de um sistema de educação personalizado, que dá atenção especial a cada
criança. Os Estados Unidos, por outro lado, têm uma democracia que luta
para respeitar as liberdades individuais, uma sociedade permeável, que permite
a um negro sem grande importância na escala social concorrer para presidente da
República e vencer.
Para resumir sua postura e a postura que deseja por
parte dos EUA em relação à Cuba, Obama cita José Martí. O grande herói da
Pátria cubana escreveu o poema “Cultivo uma rosa branca”. E esta rosa
branca da paz, Martí quer oferecer ao amigo sincero e ao inimigo cruel.
Àquele que lhe arranca o coração, o poeta não oferece cardos ou urtigas, mas a
rosa branca da paz.
Assim parece querer Obama: oferecer a rosa branca
da paz ao povo cubano, sinceramente. Por que não acreditar? Por que
os derrotistas de plantão se endurecem em suas posições e não admitem que o
diálogo é possível? Por que a rosa branca do presidente negro não pode
ser verdadeira? Não se trata de ser ingênuo nem abdicar da própria
dignidade, que, alias, é o apanágio número um do povo cubano. Mas
simplesmente de estender a mão, cultivar relações e rosas brancas em lugar de
espinhos e cardos e urtigas.
É um primeiro e pequeno passo. Mas as coisas
grandes às vezes começam pequenas. Levam tempo, devem ser cultivadas,
como as rosas, brancas ou não. Cultivá-las é a primeira condição para que
cresçam e não sejam sufocadas e atrofiadas. O roseiral da paz pode
crescer muito se houver esforços de ambas as partes. A rosa branca de Martí e
de Obama nos permite, em tempos tão difíceis e violentos, olhar para o futuro
com esperança.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga, autora de “Simone Weil –
Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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