por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Quando
se vive uma situação de crise como a que o Brasil atravessa, a tendência mais
geral e presente é mergulhar de cabeça no aceso dos conflitos e deixar as
emoções aflorarem sem censura ou reflexão. É assim que temos presenciado
comportamentos e atitudes que nos surpreendem.
Nas
manifestações que se esperava ordeiras, percebe-se sempre mais excitação,
descontrole, agressividade e mesmo ódio. Os discursos, quando os há, as
posições frente aos outros, as coisas, as instituições e inclusive aos
edifícios de domínio publico ultrapassam todo bom senso e educação, resultando
em quebradeira, gritaria, palavras de baixo calão.
Mas não só nos atos públicos acontece
tal coisa. Também nas relações mais íntimas e pessoais.
A
mim surpreende muito que alguns briguem sonora e abertamente via facebook ou
quaisquer redes sociais. O que é isso, meu Deus? Não se pode
tolerar uma posição diferente, uma opinião diversa? Parece que é difícil. Aos
que discordam, o bloqueio da comunicação. Só a minha opinião pode
circular, não a deles e delas.
Mesmo
aqueles (e aquelas) que são pessoas públicas e, portanto, olhadas com mais
atenção pela mídia e pelo cidadão comum, parecem extrapolar toda e qualquer
razoabilidade em atitudes excitadas e destemperadas. Temos presenciado
recentemente isso acontecer em sessões da Câmara, entre deputados com mandato
parlamentar. E no espaço público, por parte de juristas maiores ou
menores, políticos, ex-presidentes, atuais governadores, prefeitos etc.
A
lista seria longa. O que importa é refletir sobre os fatos sem
personalizar. Tudo que apaixona e exalta o ser humano pode ser
extremamente positivo, mas não pode fugir ao controle da razão e do bom senso,
e aflorar apenas enquanto emoção descontrolada. A política e a religião sempre
foram propostas que apaixonaram os que nelas se engajaram de corpo e
alma. E por isso trago-as aqui como tema de reflexão.
A
situação da política hoje no Brasil já se encontra mais ou menos descrita
acima. Creio que não necessito alongar-me, pois todos a experimentamos em
nosso cotidiano, de uma ou outra maneira, sob um ou outro ângulo específico.
Quanto à religião, parece que não é diferente.
Já
nos primórdios do Cristianismo, o grande Paulo de Tarso, com seu conhecido zelo
e ardor pelas comunidades que fundava, começou a preocupar-se seriamente com
uma delas, talvez das mais queridas - a comunidade de Corinto.
E
a razão era que o entusiasmo pelos dons barulhentos e ruidosos daqueles que
falavam em línguas e recebiam graças extraordinárias estava prejudicando a caridade.
Preocupados em salvaguardar, visibilizar e fazer prevalecer o dom recebido,
alguns que deviam ser lideres e testemunhas mais qualificadas, acabavam por
escandalizar e dividir a comunidade.
Paulo sentiu-se obrigado a
intervir. E fez então uma bela reflexão sobre a necessidade de discernir
os espíritos. No capítulo 12 da primeira Carta aos Coríntios, diz: Há
diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
Há diferentes tipos de ministérios,
mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus
quem efetua tudo em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito,
visando ao bem comum.
O
apóstolo percebeu que as emoções desenfreadas podem prejudicar seriamente o bem
comum, ou seja, o crescimento da comunidade, da sociedade, da humanidade.
Quando aqueles que devem liderar por palavra e exemplo deixam-se levar por
emoções descontroladas e perdem a compostura, o bem comum fica seriamente
ameaçado. Porque, como sabemos todos, a exaltação e excitação, o frenesi,
a agitação a todo vapor não são boas conselheiras e não contribuem para o
bem.
Antes
polarizam o afetivo pessoal ou comunitário, impedindo um discernimento
ponderado e a busca sincera da verdade dos princípios e dos fatos. Não se chega
a lugar nenhum com insultos, mentiras, inverdades, gritos e conclamação à
cólera. Tampouco com euforias excessivas e exteriorizações imoderadas. Não é
assim que se avança no conhecimento e na visão do que deve ser feito.
É
por isso que Paulo disse a seus irmãos na mesma Carta aos Coríntios, capítulo
14: Prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros
a falar dez mil palavras em línguas. O objetivo deve ser sempre o bem
comum. A comunidade – a sociedade, o país, a nação – não pode caminhar em
direção a um projeto grande e justo se não entender o que está acontecendo.
Não
há de ser com o bombardeamento sistemático feito pela mídia, com as
performances exacerbadas e assustadoras de alguns líderes e a incitação à
violência que se poderá ter uma visão adequada das coisas para, com liberdade,
tomar uma posição.
É
tempo, pois, de discernir, de provar os espíritos, para ver se são do
bem. Assim dizia Paulo e depois dele João em sua primeira Carta.
Sem discernimento não há boa eleição. Isso dizia Inácio de Loyola, em feliz
síntese do que dizem Paulo e João e todos os grandes mestres. Pelo bem do
Brasil, mais discernimento e menos exaltação irresponsável e exibicionista, por
favor!
Maria Clara Luchetti Bingemer é professoa do departamento de teologia da PUC-Rio de Janeiro. A
teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e
da compaixão" (Edusc)
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