Por Marcelo Barros
A
cada ano, a ONU consagra especialmente a primeira semana de abril à luta pela
saúde e contra as doenças. Como a Organização Mundial da Saúde foi criada no
dia 07 de abril de 1948, essa data é celebrada anualmente como “o dia mundial
da saúde”. Quase 70 anos depois de sua instituição, não podemos ainda comemorar
uma vitória sobre as doenças. Desde o começo do século XXI, a desigualdade
social e a concentração de renda agravaram ainda mais a pobreza injusta da maioria
da humanidade. E o desequilíbrio da natureza e o abuso de produtos químicos em
nossos alimentos contribuem para um aumento de enfermidades que, antes, não
eram tão frequentes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define
a saúde como “estado de total bem-estar físico, psíquico, mental e social”. Dentro
dessa perspectiva, não basta superar a doença. Para que alguém seja considerado
sadio, precisa alcançar um estado de equilíbrio humano. Se tomarmos como
critério essa meta, podemos dizer que ninguém de nós tem saúde total. Por
vivermos em um mundo desequilibrado e em uma sociedade doente, temos sempre de
superar certas fragilidades do corpo e do espírito.
Desde 1948, os Estados, membros da ONU, assumiram
a consciência de que o cuidado com a saúde e sua proteção é um direito humano.
Toda sociedade tem obrigação de zelar pelo bem estar físico e psíquico de seus
membros. Em países como Bolívia, Equador e Venezuela, as novas Constituições
cidadãs legislam que o objetivo do Estado é aquilo que os povos andinos chamam
de sumak kwasay, ou o “bom viver” (Constituição do Equador, artigo 14). É o
equivalente à saúde no sentido de equilíbrio de vida e de paz pessoal e
coletiva. Infelizmente, o Capitalismo neoliberal conseguiu diminuir os encargos
do Estado com saúde e educação. De fato, na maior parte dos países, os planos
privados de saúde se multiplicam. Vende-se saúde como se fosse Coca-Cola ou
qualquer outra mercadoria.
“Saúde é direito de todos e dever do Estado”,
reza a Constituição Brasileira. No entanto, só depois de uma longa luta dos
movimentos populares, no início da década de 90, conseguiu-se implantar o
Sistema Único de Saúde (SUS). Foi uma grande e maravilhosa conquista da
sociedade brasileira. Lamentavelmente, o governo federal dos anos 90 e, pouco a
pouco, governos estaduais entregaram a administração da saúde pública ao setor
privado. O Estado investe e gasta, mas é o setor privado que lucra. E como o
privado sempre quer lucrar, poucas vezes, o povo é bem servido.
Na luta pela saúde, as religiões têm uma
importante função. Tanto porque o povo procura as diversas religiões como
caminhos para cura, como porque há uma íntima relação entre cura e salvação,
meta a qual muitas religiões se propõem. Muitas vezes, os cristãos
compreenderam a salvação no sentido de libertação da condenação do inferno. No
entanto, salvação é a plenitude da vida e da graça divina em nossas vidas.
Mesmo na linguagem, a diferença entre uma pessoa santa e uma pessoa sana
(sadia) é apenas um t. De modo algum, isso significa que a doença esteja lidada
a algum pecado ou erro no sentido moral de culpa pessoal. Em hebraico, a
palavra doença é mahala, que quer
dizer andar em círculos, estar preso, fechado
em seu sofrimento, em seus pensamentos ou até mesmo em suas emoções. Por isso, uma bela compreensão de
espiritualidade seria a de dar um passo a mais do lugar onde se está. Jesus não
responsabiliza os pobres por sua pobreza nem os doentes por suas enfermidades.
No evangelho, ele denuncia o “pecado do mundo”, isso é, uma estrutura de desamor
que vai além das pessoas e impede a plena realização da vida e de um mundo de
justiça. As pessoas doentes são chamadas a viver um estilo de vida que as ajude
a sair de si mesmas e a testemunhar o projeto divino no mundo na relação com os
outros. Esse projeto nos faz estabelecer entre nós e com todas as pessoas que
encontramos relações afetuosas. Essas relações serão a base de uma comunhão de
vida que será energia de cura e transformará nossas lágrimas e nossas dores em
força para consolar e fortalecer em seu caminho os irmãos e irmãs que precisam.
Assim diz Paulo: “Bendito seja Deus que nos consola em nossas dores e aflições,
para que com essa consolação que tu nos dás, nós também possamos consolar os
outros” (2 Cor 1, 1- 2).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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