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terça-feira, 12 de abril de 2016

A ESPERANÇA DA TERRA


 por Marcelo Barros


É estranho que, em um mundo cada vez mais urbano e no qual as representações diplomáticas estão nas mãos da classe média alta, a ONU tenha proclamado o dia 17 de abril como “dia internacional da luta camponesa”. Nessa data, em 1996, ocorreu o grande massacre de lavradores sem-terra, em Eldorado de Carajás no Pará. A chacina chocou mesmo um Brasil pouco sensível à morte de lavradores e a um mundo habituado a conviver com genocídios.

Hoje, no Brasil, vinte anos depois, movimentos populares e especialmente de lavradores pobres continuam sendo discriminados e até criminalizados por muitos órgãos de imprensa. No entanto, a ONU e organismos internacionais idôneos têm reconhecido os benefícios que a caminhada dos lavradores sem terra e dos pequenos proprietários tem significado. A revalorização das sementes crioulas, a promoção da agroecologia e a instauração de eficientes cooperativas camponesas têm respondido à esperança das pessoas que trabalham por um mundo mais justo e em comunhão com a natureza.

Nesse ano, a Campanha Ecumênica da Fraternidade, coordenada por seis Igrejas cristãs e por vários organismos de solidariedade, propõe o cuidado com a Terra, nossa casa comum e com a Água, especialmente no desafio de estender a todo o povo o Saneamento Básico. Em todo o Brasil, esse cuidado com a Terra e a Água tem se desenvolvido mais nas cooperativas e assentamentos de lavradores.
Desde 1987 até 2010, Miguel Carter, mexicano professor da American University, nos EUA e pesquisador da Columbia University, percorreu mais de 160 mil quilômetros pelos rincões do Brasil. Em 2010, nos Estados Unidos e no Brasil, ele lançou um livro que resulta de sua pesquisa científica e mostra que, mesmo com uma justificativa é meramente capitalista, para o Estado brasileiro, uma nova justiça agrária é urgente. Em entrevista à revista Carta Capital, ele declarou: “A disparidade de renda custou ao Brasil ao menos 0, 66% do PIB todos os anos. Se o governo brasileiro tivesse feito uma verdadeira reforma agrária, a economia brasileira teria crescido 17, 2% a mais entre 1960 e 1985. (...) A reforma agrária pode contribuir para a redistribuição das riquezas, além de evitar o êxodo rural e estimular o desenvolvimento local. O Brasil poderia seguir o exemplo de diversos países asiáticos que há décadas fixaram limites para o tamanho da propriedade rural. Na Coréia do Sul o máximo que alguém pode ter de propriedade particular é de três hectares. No Japão, varia de um a dez hectares, conforme o acesso á irrigação. (...) No Brasil, já no tempo do império, Joaquim Nabuco e outros liberais falavam na necessidade de uma reforma agrária, mas essa discussão sempre foi barrada. A elite agrária brasileira é um setor muito forte e com interesses contrários a isso. (...) Por isso, as ações oficiais têm sido sempre de favorecer a concentração de terras e as grandes propriedades. Entre 1995 e 2005, 22 mil grandes proprietários receberam do governo federal algo em torno de 58, 2 bilhões de dólares, ao passo que, no mesmo período, mais de 6, 1 milhões de camponeses receberam apenas 10, 2 bilhões” (Cf. Carta Capital, 11/04/2010). Agora, cinco anos depois, os dados da concentração de terras no Brasil ainda são mais gritantes, além da entrega de terras da Amazônia e de outras regiões do nosso território a empresas estrangeiras. Enquanto isso, todas as estatísticas mostram que mais de 70% da comida consumida pelo povo brasileiro vem da pequena agricultura familiar e não do agronegócio que existe preponderantemente para a exportação.

Em meio à crise econômica e social que se abate sobre o Brasil e grande parte do mundo, cresce na sociedade civil a consciência de que é preciso mudar esse modelo de desenvolvimento. O crescimento econômico não pode ser feito destruindo florestas e envenenando a Terra. Além do fato de que só tem trazido riqueza para uma pequena elite. Precisamos de um caminho de sustentabilidade que possibilite uma economia a serviço da vida de todos e garanta um bem-viver coletivo para todos os cidadãos.

Nos mais diversos caminhos de espiritualidade, aprendemos que, como diz o papa Francisco: ““Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa o mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso. A solução para a crise econômica só pode vir de uma aliança entre todos os cidadãos e em comunhão com a natureza” (Cf. Laudatum sii, 194.).


 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 

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