por Marcelo Barros
É estranho que, em um mundo cada
vez mais urbano e no qual as representações diplomáticas estão nas mãos da
classe média alta, a ONU tenha proclamado o dia 17 de abril como “dia
internacional da luta camponesa”. Nessa data, em 1996, ocorreu o grande massacre
de lavradores sem-terra, em Eldorado de Carajás no Pará. A chacina chocou mesmo
um Brasil pouco sensível à morte de lavradores e a um mundo habituado a conviver
com genocídios.
Hoje, no Brasil, vinte anos depois,
movimentos populares e especialmente de lavradores pobres continuam sendo discriminados
e até criminalizados por muitos órgãos de imprensa. No entanto, a ONU e organismos
internacionais idôneos têm reconhecido os benefícios que a caminhada dos
lavradores sem terra e dos pequenos proprietários tem significado. A
revalorização das sementes crioulas, a promoção da agroecologia e a instauração
de eficientes cooperativas camponesas têm respondido à esperança das pessoas
que trabalham por um mundo mais justo e em comunhão com a natureza.
Nesse ano, a Campanha Ecumênica da
Fraternidade, coordenada por seis Igrejas cristãs e por vários organismos de
solidariedade, propõe o cuidado com a Terra, nossa casa comum e com a Água,
especialmente no desafio de estender a todo o povo o Saneamento Básico. Em todo
o Brasil, esse cuidado com a Terra e a Água tem se desenvolvido mais nas
cooperativas e assentamentos de lavradores.
Desde 1987 até 2010, Miguel Carter,
mexicano professor da American University, nos EUA e pesquisador da Columbia
University, percorreu mais de 160 mil quilômetros pelos rincões do Brasil. Em
2010, nos Estados Unidos e no Brasil, ele lançou um livro que resulta de sua
pesquisa científica e mostra que, mesmo com uma justificativa é meramente
capitalista, para o Estado brasileiro, uma nova justiça agrária é urgente. Em
entrevista à revista Carta Capital, ele declarou: “A
disparidade de renda custou ao Brasil ao menos 0, 66% do PIB todos os anos. Se
o governo brasileiro tivesse feito uma verdadeira reforma agrária, a economia
brasileira teria crescido 17, 2% a mais entre 1960 e 1985. (...) A reforma
agrária pode contribuir para a redistribuição das riquezas, além de evitar o
êxodo rural e estimular o desenvolvimento local. O Brasil poderia seguir o
exemplo de diversos países asiáticos que há décadas fixaram limites para o
tamanho da propriedade rural. Na Coréia do Sul o máximo que alguém pode ter de
propriedade particular é de três hectares. No Japão, varia de um a dez
hectares, conforme o acesso á irrigação. (...) No Brasil, já no tempo do
império, Joaquim Nabuco e outros liberais falavam na necessidade de uma reforma
agrária, mas essa discussão sempre foi barrada. A elite agrária brasileira é um
setor muito forte e com interesses contrários a isso. (...) Por isso, as ações
oficiais têm sido sempre de favorecer a concentração de terras e as grandes
propriedades. Entre 1995 e 2005, 22 mil grandes proprietários receberam do
governo federal algo em torno de 58, 2 bilhões de dólares, ao passo que, no
mesmo período, mais de 6, 1 milhões de camponeses receberam apenas 10, 2
bilhões” (Cf. Carta Capital, 11/04/2010). Agora, cinco anos depois, os dados
da concentração de terras no Brasil ainda são mais gritantes, além da entrega
de terras da Amazônia e de outras regiões do nosso território a empresas
estrangeiras. Enquanto isso, todas as estatísticas mostram que mais de 70% da
comida consumida pelo povo brasileiro vem da pequena agricultura familiar e não
do agronegócio que existe preponderantemente para a exportação.
Em meio à crise econômica e social
que se abate sobre o Brasil e grande parte do mundo, cresce na sociedade civil
a consciência de que é preciso mudar esse modelo de desenvolvimento. O crescimento
econômico não pode ser feito destruindo florestas e envenenando a Terra. Além
do fato de que só tem trazido riqueza para uma pequena elite. Precisamos de um
caminho de sustentabilidade que possibilite uma economia a serviço da vida de
todos e garanta um bem-viver coletivo para todos os cidadãos.
Nos mais diversos caminhos de
espiritualidade, aprendemos que, como diz o papa Francisco: ““Um
desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa o mundo melhor e uma
qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso. A
solução para a crise econômica só pode vir de uma aliança entre todos os
cidadãos e em comunhão com a natureza” (Cf.
Laudatum sii, 194.).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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