Por Juracy Andrade
O regime militar
que assolou o país de 1964 a 1985 é responsável por coisas incríveis que
escapam à nossa vã filosofia. Deflagrado, com a ajuda financeira e bélica (esta
nem precisou) de Washington, seu objetivo era inicialmente apenas tirar Jango
de cena e impedir aquilo que chamavam de “comunização” do país, ou seja,
reforma agrária, salários mais condignos, uma política externa independente dos
ditames do establishment estadunidense, coisas assim do interesse da imensa
maioria da população, mas que a Casa-Grande nunca aceitou e continua não
aceitando. Hoje, que as forças armadas começaram a se convencer de seu papel de
garantidoras da democracia e defensoras da sociedade; em vez do papel
positivista de tutoras dessa sociedade e, eventualmente, forças de ocupação; os
eternos golpistas batem a outras portas e buscam outros caminhos para manter a
Senzala escravizada.
É interessante
como os EUA se apresentam ao mundo como arautos e maior expressão da democracia,
mas desde que surgiram avançam em terras alheias e exportam golpes de Estado
contra governos democráticos, como fizeram largamente sobretudo nos anos 1960 e
1970 do século passado, na Argentina, Chile, Brasil, Indonésia e vários outros
países. Para seus governantes, há ditaduras do mal, aquelas que se opõem a
eles, e ditaduras do bem, aquelas que, especialmente no tempo da Guerra Fria,
apoiavam suas aventuras.
Faço esta
introdução para poder entrar no meu tema de hoje. Todo país quer ter seu Prêmio
Nobel. O Brasil nunca teve nenhum, mas chegou perto quando diversos países e
personalidades importantes quiseram homenagear um grande batalhador nosso pelos
direitos humanos e contra os desmandos da ditadura, Dom Helder Câmara. Visto
pelo regime então imposto ao país como bispo vermelho, o próprio capeta
infiltrado na Igreja para tirá-la do bom caminho inicial de apoio ao golpe, a
ideia de homenageá-lo com prêmio tão cobiçado pôs os generais em alvoroço.
Impunha-se barrar-lhe o caminho pelos meios possíveis. Era, como quase tudo
naquela época, uma questão de segurança nacional.
Desde então se
sabe, apesar da censura, que o governo militar mobilizou seu aparato
diplomático e pressões econômicas para impedir o arcebispo de Olinda e Recife
de ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Hoje se sabe que a grande arma foi
a própria estrutura do sistema capitalista. O ditador de plantão (general
Garrastazu Médici) e asseclas ameaçaram empresas suecas, norueguesas e de
outros países nórdicos de prejudicar seus negócios, impedindo até a remessa de
qualquer lucro para as matrizes, se a Fundação Nobel insistisse em premiar Dom
Helder.
Graças ao
trabalho da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, tão
competentemente coordenada pelo advogado, escritor e ex-deputado Fernando de
Vasconcelos Coelho, com a colaboração de brilhante equipe, sabemos hoje tudo o
que aconteceu. A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) publicou longa pesquisa
no quarto de seus Cadernos da Memória e Verdade. Convém dar uma olhada para
comprovar como é ruim uma ditadura. E ainda tem marchador por ai dando corda em
militares com mentalidade do passado. Viva a democracia! Vamos aperfeiçoá-la em
vez de persistir na velha mentalidade golpista tão arraigada no Brasil.
Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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