por Juracy Andrade
Neste início de ano, dando prosseguimento a meu
artigo anterior, lhes apresento o outro livro de que falei, do
jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, Vaticano SpA (SpA em italiano, sigla de “società per azioni”, é para nós “sociedade anônima”). O livro comentado anteriormente, Sua Santità,
do mesmo autor, se baseia em documentos obtidos através de fonte
próxima ao pontífice (quase certamente o mordomo do papa Bento 16, Paolo
Gabriele, que foi preso, julgado e condenado, e agora no Natal
indultado pelo soberano da Cidade do Vaticano). O de que falo hoje se
fundamenta também em documentos incontestáveis confiados post mortem ao
autor, anotações e papeis do monsenhor Renato Dardozzi, figura
importantíssima na gestão das finanças papais entre 1974 e 1990.
O livro se inicia com a ascensão e queda de monsenhor Paul Casimir
Marcinkus, um gigante americano que também funcionou como
guarda-costas dos papas Paulo 6º e João Paulo 2º e cuja diretriz era que
a Igreja não se governa com Ave Maria”. Meteu-se em grandes falcatruas
com Michele Sindona, banqueiro mafioso envenenado mais tarde na
prisão, e com o banqueiro Roberto Calvi, do Banco Ambosiano, que faliu
fraudulentamente. Posteriormente, Calvi foi encontrado morto sob a
ponte Blackfriars em Londres. E termina com a conspiração entre
políticos católicos, cardeais e outros grandes e sabidos para criar um
partido político católico de centro (esconderijo da direita), em
substituição à desmoralizada Democracia Cristiana.
Os papeis secretos do antenado e organizado monsenhor Renato
Dardozzi são muitos e o livro é extenso. O jornalista italiano os
recebeu por expressa vontade do prelado curial, que, após a bagunça
causada por Marcinkus nas finanças pontifícias e no IOR (Banco do
Vaticano), deu grande colaboração para sua limpeza e recuperação Sem
sucesso. Talvez daí tenha surgido sua determinação de divulgar a
papelada. Segundo as revelações de Nuzzi, com base naqueles documentos,
o Vaticano desenvolve seus negócios em absoluto sigilo e as intensas
atividades da holding da Santa Sé (não tão santa como se diz)
representam um dos segredos mais bem guardados do mundo.
Esse silêncio é tutelado proposital e diariamente a qualquer
custo, continua escrevendo Nuzzi. O silêncio protege toda a economia e,
portanto, também os negócios mais questionáveis que marcam a vida
financeira da Igreja de Roma, apropriada e tutelada pelo Estado papal.
Esse segredo inclui a suspeita morte do breve papa João Paulo 1º, que
não concordava com o envolvimento das finanças papais com a máfia, com a
direitona italiana e mais tantas negociatas sem fim. Ele não engolia
Marcinkus, que havia abiscoitado um pequeno banco popular ligado à
arquidiocese de Veneza, sem consulta ao patriarca, que era o cardeal
Albino Luciani, depois João Paulo 1º.
O silêncio é indispensável para
preservar a imagem daquele que se apresenta como único e legítimo
representante de Deus na Terra, e o poder de grupos de cardeais que
dominam a Igreja. O Vaticano cerca de silêncio o seu banco, cheio de
operações ilegais. Admite a contragosto sua existência. Nos sites
oficiais da Santa Sé (santa?) não se fala desse pecado.
Quando escrevo sobre temas como este não me move nenhuma
iconoclastia antivaticana ou antipapal. O que me interessa é unicamente
deixar bem claro que nada dessa bagunça, dessa hipocrisia, dessa gana
de poder e dinheiro tem a ver com Jesus Cristo e seu Evangelho. Desde o
maldito momento em que o bispo de Roma, e depois outras igrejas, se
deixaram seduzir pelas sereias do poder político, das benesses, dos
palácios, das cortes, a Igreja de Cristo se tornou algo secundário,
aprisionada numa estrutura para submeter consciências e criar um grande
reinado terreno que nada tem a ver aquele Reino de Deus que “não é
deste mundo” (ver os evangelhos). Basta olhar para o desenvolvimento da
Igreja de Roma, da de Constantinopla e de outras.
Inventaram
“verdades” que não estão na doutrina de Cristo, submeteram outras
igrejas, tornaram-se latifundiárias e feudais. Brigaram e continuam
brigando entre si, para escândalo do mundo e negação do desejo de
unidade de Cristo expresso na despedida dos apóstolos antes de seu
martírio. Vieram os tribunais inquisitoriais, as Cruzadas, primeiro
grito do colonialismo e cujo real objetivo era a expansão do poder de
príncipes que se diziam cristãos. Nas Américas, por toda parte,
aprovaram a escravidão, o latifúndio, as ditaduras, o capitalismo
selvagem.
Dardozzi prestou um precioso serviço a quem procura desvincular a
mensagem de Cristo e as igrejas que dela surgiram da estrutura de poder
pelo poder que é o Vaticano (isso inclui os diversos vaticanos
proprietários de outras igrejas). Sua última vontade: “Tornem públicos
todos esses documentos para que todos saibam o que aconteceu”.
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