Difícil a inspiração ao pensar no novo ano que por aí vem. Difícil porque se termina em geral o ano com o cansaço acumulado de tudo o que foi vivido, trabalhado, sofrido e frustrado, defraudado, perdido. E, no entanto, é preciso tentar animar-se, reerguer-se, preparar-se. Pois dentro de poucos dias ele estará aí... 2013, um ano a mais. E haverá que vivê-lo.
E como vivê-lo sem esperança? Sem essa abertura de coração para a surpresa que deve caracterizar todo fim de ano? Sem essa expectativa de que tudo será melhor, como enfrentar a longa sucessão de mais de 300 dias que se desdobra à nossa frente? Como acolhê-la, saudá-la, beber champanha à sua chegada?
O fato é que, como dizia o poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, “Não
precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não
precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente
acreditar que, por decreto de esperança, a partir de janeiro as coisas
mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as
nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos
respeitados, começando pelo direito augusto de viver. Para ganhar um
Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de
fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente,
consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde
sempre.”]
Pois então vamos lá. Sigo o
poeta e penso: em lugar de esperar que aconteça, o que devo fazer para
que o ano seja novo? O que em mim tem que nascer, renascer, ser
recriado para que o Ano tenha cheiro e gosto de manhã e não sabor
murchado e dormido de anteontem?
Creio que a primeira coisa é sacudir a poeira dos hábitos e acomodações instalados em meu interior. Com a idade vamos ficando ranzinzas, acostumados a certas coisas, horários, atitudes, sequências...Tentarei deixar que os mais jovens – filhos, netos, alunos - baguncem minha vida e meus esquemas. Que inventem e reinventem horários, prioridades, posição dos móveis, ordem de alimentos, programas. Deixar-se surpreender e passar o bastão de comando deve ser bom. Agora é a vez de eles inventarem a vida. Quem sabe não a inventam melhor do que eu?
Creio que a primeira coisa é sacudir a poeira dos hábitos e acomodações instalados em meu interior. Com a idade vamos ficando ranzinzas, acostumados a certas coisas, horários, atitudes, sequências...Tentarei deixar que os mais jovens – filhos, netos, alunos - baguncem minha vida e meus esquemas. Que inventem e reinventem horários, prioridades, posição dos móveis, ordem de alimentos, programas. Deixar-se surpreender e passar o bastão de comando deve ser bom. Agora é a vez de eles inventarem a vida. Quem sabe não a inventam melhor do que eu?
Depois, em seguida, vem a
atenção à minha renovação particular. Já que o tempo passa e certo
declínio é inevitável, é bom no Novo Ano fazê-lo ao menos mais
trabalhoso. Renovar-se fisicamente, com atenção, carinho e cuidado ao
irmão corpo para que o mesmo não pife. Alimentá-lo saudavelmente,
movimentá-lo para que não chie com artrites e males afins. Ou chie
menos. Cuidar-se, respeitar os ritmos do corpo, ouvir suas queixas e
clamores. Para oferecer aos outros uma presença mais tranquila e menos
incômoda.
Em seguida, e não digna de menos
atenção, está a renovação interior, que anda muito descuidada e
negligenciada. O acúmulo de trabalho acaba sempre obstruindo veias e
artérias da integridade intelectual e sobretudo espiritual. O ativismo é
febril e chega a sufocar. No cansaço que marca este fim de ano, quem
sabe não tento no ano que vem discernir melhor os compromissos, separar
tempo em quantidade adequada para a leitura, a oração, o lazer. E,
assim, não atravessar madrugadas ou passar noites insones para dar
conta de tudo.
Renovar igualmente o cuidado com
as relações. Refazer laços antigos que por alguma razão afrouxaram ou
ameaçam romper-se. Cuidar com especial atenção dos novos amigos que
ainda são plantas frágeis no jardim da vida e merecem olhar mais
profundo e comunicação mais intensa. Incluir os distantes e os
tristes, os sozinhos e os abandonados, aqueles que não percebemos que
foram se afastando porque não podem mais participar das nossas
circunstâncias por vários motivos: falta de forças, de dinheiro, de
tranquilidade...enfim todas as faltas que cavam em nós abismos
intransponíveis.
E se tudo isso não conseguir ser feito, aportar ali onde sou sempre esperada e onde meus tantos anos já tão vividos são sempre renovados por um amor que jamais se desgasta, diminui ou envelhece. Em Deus, que é sempre novo e que a cada manhã me desperta como um Pai, ou um noivo, ou um Amigo maior, dizendo-me que a vida me espera e que sou sempre convidada a vivê-la intensa e plenamente. Feliz 2013 para todos e todas!
Maria Clara Bingemer teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco), entre outros livros. wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape
E se tudo isso não conseguir ser feito, aportar ali onde sou sempre esperada e onde meus tantos anos já tão vividos são sempre renovados por um amor que jamais se desgasta, diminui ou envelhece. Em Deus, que é sempre novo e que a cada manhã me desperta como um Pai, ou um noivo, ou um Amigo maior, dizendo-me que a vida me espera e que sou sempre convidada a vivê-la intensa e plenamente. Feliz 2013 para todos e todas!
Maria Clara Bingemer teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco), entre outros livros. wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape
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