Por MARCELO BARROS
No domingo
passado, no Rio de Janeiro, concluiu-se a Jornada Mundial da Juventude, evento
católico coordenado pelo papa Francisco que contou com a participação de
milhares e milhares de jovens católicos do mundo inteiro. Ao comentar esse
evento, insisti que esse encontro da juventude deveria despertar em nós a
vocação para sempre nos renovar. No artigo da semana passada, citei a palavra
de Jesus: “é preciso nascer de novo”. Alguém me perguntou: “Renascer interiormente é algo possível de se
aprender?”.
Atualmente, grupos espirituais ligados a
correntes da nova consciência (new age) fazem terapias de renascimento e,
através de exercícios de respiração, afirmam alcançar a consciência de vidas
anteriores e de consciência mais aguda do próprio ser e da missão de cada
pessoa nessa terra. Outras tradições propõem esse caminho de renovação interior
no próprio cotidiano da vida e sem precisar de referências a vidas anteriores
ou futuras.
Em primeiro lugar, é preciso se dar conta:
enquanto todos os animais nascem de uma vez por todas e, se puderem, vivem de
acordo com a sua natureza e seu instinto, o ser humano é diferente. Seu
nascimento é incompleto. Não nascemos totalmente. A cada momento da vida, temos
de enfrentar a fadiga de gerar-se de novo ou ser gerados. A água é o ambiente
perfeito para o peixe. O ar é o espaço feito para os pássaros, mas nenhum mundo
se adapta perfeitamente ao ser humano. Por mais que nos esforcemos, somos
sempre, de alguma forma, incapazes de nos adaptar. Nenhum sistema consegue nos
prender de forma absoluta. Essa é nossa riqueza maior e, ao mesmo tempo, nosso
tormento. Como nunca nascemos totalmente, somos sempre chamados a criar um
mundo novo e a parir incessantemente em nós um ser novo e no mundo um ambiente
que acolha e favoreça essa humanidade renovada.
Alguns caminhos espirituais,
principalmente no Oriente, desiludidos da possibilidade desse caminho novo,
procuram desnascer, ou seja, anular o nascimento e atingir o nada, em uma espécie
de aniquilamento do eu, fusão no Bhrama eteno e coletivo dos hinduístas, ou no
Nirvana budista. No Ocidente, Maria
Zambrano, grande filósofa espanhola do século XX, afirmava: “A esperança é fome
de nascer do todo, de completar aquilo que dentro de nós, de forma apenas
esboçada, carregamos. Nesse sentido, a esperança é a substância da nossa vida,
a sua dimensão mais profunda, como o fundo de um poço. Graças a ela, somos
filhos e filhas dos nossos sonhos, daquilo que não vemos e não podemos
verificar. Assim, confiamos a nossa vida a algo que não existe ainda, a uma
incerteza. Por isso e para isso, temos tempo. Se fôssemos já totalmente
formados e completos, não teria sentido consumir-se nesse esforço”[1].
Essas palavras da filósofa veem a tarefa
do renascimento como esforço humano de sempre renovar-se interiormente. O
Judaísmo, Cristianismo e Islã creem que o renascimento é pura graça divina que
a pessoa recebe pelo amor. Esse acolhimento supõe uma abertura interior e se
expressa através de um esforço para se viver isso na relação consigo mesmo e
com os outros. A pessoa aprende a renascer interiormente através da
solidariedade e do esforço concreto em função da justiça social e da construção
de um mundo novo possível. Quando nos abrimos ao outro e saímos de nós mesmos
para servir e nos consagrar aos outros, dialeticamente nos encontramos a nós
mesmos de forma mais profunda e realizamos essa construção a qual Jesus se
referiu ao afirmar: “Quem quer salvar a sua vida para si mesmo a perderá e quem
aceita perdê-la, por amor de mim, a salvará” (Lc 9, 24).
Marcelo Barros é monge Beneditino e peregrino de Deus.
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