Por FREI BETTO
O papa Francisco passou a manhã de
quarta-feira no santuário nacional de Aparecida. A liturgia da missa que
celebrou girou em torno de três textos bíblicos “feministas”, extraídos do Livro
de Ester (5, 1b-2; 7, 2b-3), do Apocalipse (12, 1 e 5 e 13a e 15-16a) e do Evangelho
de João (2, 1-11).
A escolha se explica por ser Aparecida um
santuário mariano. Lembro de um encontro de Comunidade Eclesial de Base, na
periferia de São Paulo, quando Tadeu, mecânico, comunicou que não participaria
da próxima reunião porque iria com a família à Aparecida. Houve quem torcesse o
nariz e estranhasse um adepto da Teologia da Libertação frequentar um santuário
de religiosidade popular. Tadeu não se fez de rogado: “Sou devoto de Nossa
Senhora Aparecida, porque ela é da cor de minha mãe, da minha, da minha mulher
e de meus filhos.”
Tadeu fez uma leitura libertadora da
padroeira do Brasil, cuja imagem foi encontrada no Rio Paraíba, em 1717, por
três pescadores. Em uma sociedade escravocrata colonizada pelo reino de
Portugal, no qual reis e rainhas eram todos brancos, disseminar a devoção a uma
negra, rainha do céu, mãe de Deus, constituía uma forma de afirmar a dignidade
das escravas vítimas da luxúria e da crueldade de seus senhores.
Os poderosos procuraram se “apropriar” de
Nossa Senhora Aparecida. A 8 de setembro de 1822, um dia após a independência,
D. Pedro I a declarou “padroeira do Brasil”. É curioso que o título tenha sido
concedido pelo imperador, e não pela Igreja. E a 6 de novembro de 1888, a
princesa Isabel ofertou à imagem a coroa de ouro cravejada de rubis e diamantes
e o manto azul bordado em ouro e pedrarias.
As autoridades eclesiásticas, que sempre
relutam frente às devoções populares, apenas em 1894 enviaram ao santuário os
padres redentoristas, 177 anos depois de a imagem de Maria “aparecer”.
Quando Bergoglio visitou Aparecida pela
última vez, em maio de 2007, para participar da reunião de todos os bispos da
América Latina, ele foi o único prelado estrangeiro a comparecer à missa das
Comunidades Eclesiais de Base, em um domingo pela manhã.
Não se pode afirmar que o novo papa é um adepto da Teologia da Libertação. Tudo indica, porém, que não fará objeção a ela, ao contrário de seus dois antecessores. Prova disso é que, em abril, tirou da gaveta o processo de canonização de Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado pelo Esquadrão da Morte em 1980 e considerado um ícone da Teologia da Libertação.
Logo após a homilia de Francisco na missa
em Aparecida, veio a Oração dos Fiéis. A primeira reforçou a “opção pelos
pobres”, tão enfatizada pelos católicos progressistas: “”Pela Igreja, para que
seja sempre comprometida com a vida do nosso povo, especialmente dos mais
fracos, pequenos e pobres.”
Após a celebração, Francisco abençoou, no
seminário de Aparecida, a imagem de frei Galvão (1739-1822), o primeiro
brasileiro a ser declarado oficialmente santo, embora a devoção popular já
tenha “canonizado” padre Cícero (1844-1934), que ainda hoje não é reconhecido
por Roma como cristão exemplar. A imagem de frei Galvão seguiu posteriormente
para Guaratinguetá, onde ele nasceu.
De volta ao Rio, o papa visitou o Hospital
São Francisco de Assis, onde teve contato com um projeto de recuperação de
dependentes químicos.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma
visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
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