Marcelo Barros
Metade
do ano se foi e o mês de julho começa em clima de férias para muitos estudantes,
professores e muitos outros profissionais. (Nesse ano, para recuperar os dias
de greve, algumas universidades federais continuam em atividade nesse mês). No
Centro-oeste, é temporada de acampamentos no Araguaia, como no hemisfério norte
começam as grandes férias de verão. Muita gente aproveita para viajar, visitar
outros países e quem fica em casa, encontra atividades de lazer que no período
de trabalho não pode realizar. Em vários lugares, o turismo planeja colônias de
férias para crianças e, assim, os pais também têm algum descanso.
Na
Bíblia, o livro do Eclesiastes diz que há tempo para trabalhar e tempo para
descansar. É verdade que há quem descanse simplesmente ao mudar de atividades.
Para quem lida diariamente com trabalho intelectual, pode fazer bem plantar uma
horta. Já uma pessoa que vive da manhã à noite em um escritório pode se refazer
acampando na natureza ou em uma viagem, mesmo se cansativa. Outros preferem
apenas deixar os dias transcorrerem sem obrigações de horário fixo, embora o
condicionamento social ainda pressione quando não vê produção e lucro.
Conforme
a regra beneditina, a ociosidade é nociva para a espiritualidade. Gera uma
espécie de apatia psíquica, irmã das neuroses, angústias e outros problemas. É
verdade que as tradições religiosas antigas valorizavam o que chamavam de quietude espiritual, mas São Bento
equilibra essa proposta com a necessidade de ganhar a vida com o trabalho
prático. A proposta espiritual é unir oração e atividade. Evidentemente, isso
nada tem a ver com a tendência contemporânea de produzir a qualquer custo. A tirania do
mercado nos rouba a dimensão humana da vida e cria a competição como substituto
do convívio harmonioso e justo entre as pessoas.
Em
um mundo que cada vez mais substitui trabalhadores por máquinas informatizadas,
o filósofo italiano Domenico de Masi propôs para as pessoas o “ócio criativo”. Não
se trata do desemprego da atual crise econômica europeia e nem de ficar
simplesmente na ociosidade. O ócio criativo é a capacidade de fazer do tempo
livre a alavanca da criatividade para um amanhã mais humano e feliz. Em geral,
a sociedade atual só dá valor ao trabalho. Não valoriza, nem organiza o lazer.
Na escola, as pessoas se preparam para saber o que fazer com 1/7 do seu tempo
útil. Mas, todo o resto do tempo fica sem planejamento. Podemos e devemos planejar
melhor o tempo livre. Aprofundar o sentido e o valor do lazer faz parte de uma
cultura que faz bem ao espírito.
Desde
séculos imemoriais, as culturas negras e indígenas cultivam a capacidade de integrar trabalho e
lazer, estudo da vida e gratuidade. E fazem isso como oferenda de louvor a Deus
em uma postura de festa e de alegria espiritual. Nessas culturas ancestrais,
toda a vida é como tecida de uma só costura e ali se unem sem divisão tanto os
momentos produtivos, como a gratuidade da festa, dos cânticos e do convívio comunitário
e espiritual.
As
culturas tradicionais teimam em testemunhar que tempo é graça e espaço de
convivência e não apenas dinheiro, como pensam os capitalistas. A criatividade do
povo tem sido capaz de fecundar as atividades cotidianas de uma forte energia
de amor e alegria. Trabalhos de educação
da juventude e promoção humana consistem em laboratórios de artes plásticas,
grupos de música, escolas de dança e muitas outras formas de arte que dão
sentido novo à vida das pessoas, o que, às vezes, a escola formal não consegue
proporcionar.
Atualmente,
é importante reencontrar uma espiritualidade que valorize a festa, a alegria do
lazer e o direito do descanso. Na Bíblia, o primeiro mandamento de Deus no
Gênesis é guardar o sábado, ou seja, o direito ao descanso semanal. Esse
repouso gratuito é expressão do amor divino e do cuidado amoroso uns com os
outros. Em suas cartas, Paulo propõe que se procure “resgatar o tempo”, isto é,
torná-lo tempo de salvação e graça.
Ordena que quem quer comer deve trabalhar, mas insiste que o tempo seja
usado para dialogar, para orar sem cansar e para a solidariedade. Viver a fé é uma
opção de vida que se faz gratuitamente e pede abertura interior. Ela pode fazer
de nossa vida um tempo delicioso de férias que os antigos chamavam vacare Deum. Poderíamos traduzir isso
por “tirar férias com Deus ou mergulhados em Deus”.
Marcelo Barros é monge beneditino e peregrino de Deus.
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