Cada
ano, no final de outubro, os cristãos celebram o Dia da Reforma. Conforme a
tradição, no 31 de outubro de 1517, o
doutor Martinho Lutero iniciou o movimento da reforma protestante ao pregar
suas 95 teses na porta da catedral de Winttemberg na Alemanha. Ele afirmava: “A
Igreja reformada tem de se reformar permanentemente”. Essa verdade é um
pensamento comum a toda a Igreja e, nesses meses, tem sido diversas repetido
pelo papa Francisco. Ele tem recordado aos católicos que a Igreja tem sempre de
se renovar. E assim, tem chamado padres e bispos a uma conversão mais profunda
ao evangelho do Cristo.
No
século XVI, Lutero denunciou a hierarquia católica porque esta tinha se
distanciado muito da fé bíblica e da Palavra de Deus. Denunciou que os padres negavam
o sacerdócio comum de todos os fiéis. Pregavam que as pessoas se salvam por
suas obras ou mesmo pelas indulgências oferecidas pela hierarquia às vezes até
compradas pelos fiéis. Esses e outros escândalos presentes na Igreja da época,
graças a Deus, com o passar dos tempos, foram superados. Em 1999, um documento assinado
pelos representantes da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana
selava o acordo das duas Igrejas sobre a salvação pela fé e o sacerdócio comum
de todos os batizados. O documento constatava que, mesmo se as palavras usadas
podem ser diferentes, as duas Igrejas têm a mesma fé. Esse acordo pôs fim a uma
divisão de quase 500 anos. No entanto, revelava também a necessidade de uma
reforma permanente das Igrejas. Há mais de 50 anos, para colocar a Igreja
Católica em um caminho de renovação evangélica, o papa João XXIII convocou e
abriu o Concílio Vaticano II. Pouco depois, Harvey Cox, teólogo e pastor
batista norte-americano, propunha a todas Igrejas uma nova reforma, baseada em
uma atualização da linguagem da fé para o homem e a mulher de hoje.
A
partir dos anos 60, o mundo mudou muito. Embora a humanidade tenha feito
progressos imensos no campo da técnica e das comunicações eletrônicas, nem por
isso se tornou mais justa e pacífica. Ao contrário, as diferenças entre ricos e
pobres aumentaram. Atualmente, a
consciência sobre vários direitos sociais tem crescido. A ciência permite a
muitas pessoas viverem mais do que há 50 anos. Mesmo assim, o mundo de hoje,
como está organizado, parece pior e menos humano do que aquele no qual a minha
geração nasceu e cresceu. E isso, apesar de que o número de Igrejas e religiões
tenha crescido muito. Mesmo se a sociedade é mais secular e, graças a Deus,
mais pluralista e diversificada, em todo o Ocidente, o Cristianismo ainda é a
religião majoritária e os seus ministros continuam a gozar de certo prestígio.
Essa
situação social do mundo é sinal de que alguma coisa anda errada. Apesar de
toda pregação do Evangelho cristão e da mensagem de amor, comum a todas as
religiões, as Igrejas não têm conseguido que o mundo supere as ameaças de
guerra, vença as injustiças sociais e viva em paz, justiça e cuidado com a
natureza. No plano interno de cada Igreja, cada vez mais aumenta o número de
pessoas que se dão conta: é necessária uma nova reforma das Igrejas. É preciso
voltar ao projeto original de Jesus e, ao mesmo tempo, ser capaz de expressá-lo
em linguagem e sinais mais acessíveis à humanidade de hoje. E as Igrejas, ao se
reaproximarem do Evangelho, poderão experimentar uma nova unidade entre elas.
Não para formar uma superestrutura centralizada e sim para, ao viver sua
diversidade, as Igrejas se comportem como comunidades irmãs no serviço amoroso
à humanidade. Esse será o testemunho de que Deus é amor e se manifesta onde as
pessoas aceitam viver o amor solidário como principio de vida. Que esse 31 de
outubro, aniversário da reforma, lembre a todos os cristãos a palavra de São
Paulo: “O ser humano renovado (ou reformado) nunca deixa de se renovar à imagem
daquele que o criou” (Cl 3, 10).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas",
Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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