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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

E a Família, como vai?




Por Maria Clara Bingemer
 
       O Vaticano acaba de divulgar o documento preparatório do próximo Sínodo dos Bispos, previsto para outubro de 2014.  Neste texto, que deverá ser trabalhado em várias instâncias da comunidade eclesial, Roma propõe pautas de reflexão sobre a instituição familiar.  Estas depois serão encaminhadas aos padres sinodais, que terão, assim, oportunidade de escutar as bases da Igreja sobre a temática do Sínodo.
 
          O documento começa destacando os problemas “inéditos” sobre a família e o casamento que a Igreja tem de enfrentar hoje. Não é de admirar que por aí comecem as preocupações do Vaticano.  Nos últimos tempos, poucas instituições têm conhecido tão profundas e radicais mudanças como esta que, para a Igreja, sempre foi a célula mater da evangelização.
          O texto, apresentado em seis línguas, declara em sua parte inicial: “Hoje se perfilam problemáticas até há poucos anos inéditas, desde a difusão dos casais de fato, que não acedem ao matrimônio e às vezes excluem esta própria idéia, até as uniões entre pessoas do mesmo sexo, às quais não raramente é permitida a adoção de filhos”.

          Embora reafirme as linhas de força do ensinamento tradicional católico sobre a família, qual sejam: o matrimônio indissolúvel e a primordialidade da procriação como fim do casamento entre o homem e a mulher, sente-se um tom de maior abertura e uma atitude de maior escuta do que em ocasiões anteriores.

          Sem afastar-se daquilo que considera pontos não negociáveis de sua doutrina sobre o matrimônio e a família, a Igreja demonstra preocupação com os fiéis que, por viverem situações matrimoniais e familiares irregulares, encontram-se afastados dos sacramentos.

          Alude, por exemplo, ao fato de que muitos adolescentes e jovens, “nascidos de matrimônios irregulares”, poderão “nunca ver os seus pais aproximar-se dos sacramentos”.  E declara que “na época em que vivemos, a evidente crise social e espiritual torna-se um desafio pastoral, que interpela a missão evangelizadora da Igreja para a família, núcleo vital da sociedade e da comunidade eclesial”.  A partir daí, o documento salientae a importância do desafio que a partir da família é apresentado hoje à Igreja para realizar sua missão de evangelizar.

          O texto deixa transpirar ainda uma preocupação evidente com o sofrimento que muitos católicos, vivendo em situação matrimonial e familiar irregular, experimentariam pelo fato de não poderem se aproximar dos sacramentos. A preocupação de que isso os faça sentir-se marginalizados deixa entrever a esperança de que o Sínodo se empenhará por encontrar vias de solução para tal problema, flexibilizando uma atitude que até os dias de hoje nunca admitiu muitos questionamentos.

          Alude ainda a “situações matrimoniais difíceis”, como a convivência ‘ad experimentum’ (experimental), as “uniões livres de fato”, os “separados e os divorciados recasados”, para perguntar – com preocupação maternal - “como vivem os batizados a sua irregularidade”.  E pergunta-se ainda se a simplificação do processo de reconhecimento da “nulidade do vínculo matrimonial” poderia oferecer uma “contribuição positiva real para a solução das problemáticas das pessoas interessadas”.

          Há um ponto, porém, que me parece central na reflexão que o Sínodo possa fazer sobre a família.  Trata-se da identidade desta instituição que é chamada a entrar em diálogo com a Igreja.  Esta, investida da missão de proclamar a Boa Notícia do Evangelho, está hoje mais que nunca chamada a não esquecer que a família não existe para si mesma ou para construir-se e comprazer-se na sua própria excelência comunitária.  Embora os laços afetivos e a convivência relacional sejam fundamentais para o crescimento pessoal, o equilíbrio emocional e a realização das plenas potencialidades dos membros do núcleo familiar, toda família estará fracassando em sua vocação não apenas cristã, mas humana, se sucumbir à tentação do modelo burguês, fechado em si mesmo, confinado à esfera do privado, instaurando uma dicotomia malsã entre o privado do interior do lar e a dimensão pública do mundo e da sociedade.

          A família existe no mundo e para o mundo.  E é atenta às necessidades e prioridades deste mundo e desta sociedade que deve desenvolver sua identidade e suas prioridades formativas e ativas.  A família não é um fim em si mesma, mas existe para que o mundo seja melhor e mais humano. O documento de preparação nos permite esperar que este ponto forme parte integral e constitutiva do acontecimento sinodal que acontecerá no próximo ano.


Maria Clara Bingemer é professora do departamento de teologia da PUC-Rio. A   teóloga é autora de “Ser cristão hoje" (Editora Ave Maria).
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