por Marcelo Barros
Nesses
dias, a imprensa brasileira discute se artistas e pessoas famosas têm ou não
direito de impedirem a publicação de biografias suas não autorizadas. Também aparecem
na mídia projetos de leis que criminalizam manifestantes de rua que usam
máscaras em seus protestos. Pode se pensar que os dois assuntos nada tenham em
comum. Entretanto, nos dois casos, discute-se o direito às máscaras, sejam aquelas
feitas de pano e coladas ao rosto, sejam máscaras sociais que cada um vai tecendo
no próprio corpo, ao longo da vida. Sem dúvida, todo ser humano tem direito à sua
intimidade, como também à sua honra. No entanto, a sociedade do espetáculo
cobra sempre mais. E quem, um dia, fez tudo para aparecer, certamente, agora
que é famoso, vai ter mais dificuldade para evitar uma exposição indevida da
sua vida privada.
De
certo modo, toda pessoa convive com alguma máscara. Os antigos chamavam de
“persona” a máscara usada no teatro grego. Foi a origem das personagens de
romances e mitos modernos da vida social. Em uma sociedade das aparências, o
grande desafio é o da viagem interior em busca do mais profundo do ser. Um mito
grego dizia que Deus (Júpiter), espantado com a capacidade do ser humano de
usar seus atributos divinos para dominar e destruir, escondeu o segredo da
divindade em um lugar que julgava inacessível ao ser humano. Assim, mesmo que as
pessoas o buscassem no espaço sideral ou no mais fundo do mar, nunca podiam
encontrá-lo. Júpiter escondeu o segredo da divindade no mais fundo do próprio coração
humano. Se as pessoas não são capazes de mergulhar no mais íntimo de si mesmas,
jamais descobrirão a capacidade de ser tão humanas que se tornam divinas.
Emmanuel
Levinas foi um dos maiores filósofos do século XX. Discípulo de Martin Heidegger,
do qual se separou por causa do nazismo e do judeu Franz Rosenzweig, a quem
muito admirou, exilou-se na França, onde, até a sua morte no Natal de 1995,
exerceu o ministério de professor e ajudou o mundo como pensador original e
instigante. No mundo inteiro, a cada ano, nesse mês do seu nascimento (novembro
de 1906), círculos filosóficos de todo o mundo recordam o essencial do seu
pensamento. Levinas é o filósofo da alteridade. Ele ensinava que o ser humano
se descobre como alguém chamado a viver a justiça e a solidariedade ao ter a
coragem de ver o rosto do outro como ele é: diferente de si e ao mesmo tempo,
merecedor de nossa responsabilidade. Para Levinas, a Ética e não a Ontologia é
a filosofia mais importante. E todo ser humano se torna ético ao ser defrontado
e levar a sério o rosto do outro. É o rosto do outro que revela a cada um como
o ser humano é levado a crescer a partir da descoberta da alteridade. O outro é
o diferente e essa diferença é irredutível e irremissível. Não é possível
reduzí-lo à imagem interior que temos dele ou dela em nós mesmos. Só quando
vamos ao encontro dessa alteridade, expressa no rosto do outro, podemos
encontrar sentido para a vida e podemos nos realizar profundamente. É claro que
ele não falava de uma sociedade na qual as pessoas fazem operações plásticas
que tornam o rosto uma máscara que pode ser mais bela, mas não é mais
verdadeira. Todo mundo tem, sim, direito a se embelezar, mas há uma identidade
do rosto que é mais profunda e ali se torna necessário assumir as rugas da
dureza nossa de cada dia. Inclusive, a própria descoberta do mistério mais
profundo (Deus) só pode ser feita a partir dessa peregrinação ao verdadeiro rosto
do outro. É no rosto do outro que descobrimos o infinito (do seu livro “O
infinito e a totalidade”).
No
mundo atual, há certa crise nas religiões institucionais. Mas, prolifera uma
busca profunda de caminhos espirituais, alguns religiosos e outros, não. Seja
nas tradições espirituais, seja fora delas, o caminho para a intimidade com o
mistério consiste exatamente na pessoa tornar-se capaz de superar o amor
egocêntrico e voltado para si mesmo e ir além do sentimento de pertença
etnocêntrica ao clã, à Igreja, à nação e a qualquer outra entidade coletiva que
se defina como “nós” para chegar à dimensão cósmica do amor aberto, universal e
incondicional. Aí sim, a pessoa se torna divina. Todos somos chamados/as para
esse modo de amar. Como escreveu São João: “cremos no amor e temos a
experiência de viver esse amor, porque Deus é amor e quem vive o amor, vive em
Deus e Deus vive naquela pessoa” (1 Jo 4, 16).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas",
Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
CLIQUE AQUI - PARA ACESSAR TEXTOS MAIS ANTIGOS ANTERIORES AO BLOG
CLIQUE AQUI - PARA ACESSAR TEXTOS MAIS ANTIGOS ANTERIORES AO BLOG
Nenhum comentário:
Postar um comentário