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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Linha de Montagem para fabricar Santos



Por Juracy   Andrade



     O que é um santo, para o cristão? Uma pessoa que, por sua vida e testemunho, ganhou a veneração do povo de Deus, como ocorreu durante muitos séculos antes que os papas tomassem para si o direito de dizer quem é santo ou não, de acordo com normas burocráticas e ideologias políticas incapazes de apreciar o carisma da santidade. Parece que o Hermano Francisco ainda não atentou pra isso, pois se anuncia aí a canonização às pressas do papa Wojtyla (João Paulo 2º), grande paladino anticomunista, como o foi também o papa Pacelli (Pio 12), que preferia claramente o nazifascismo ao comunismo. E não há só canonizações individuais duvidosas. O padre mexicano Marcial Maciel, que criou a Legião de Cristo, é candidato, apesar de acusado de pedofilia, mas era muito apreciado pelo papa polonês e também pelo papa alemão. Tem também as beatificações ou canonizações no atacado, em linha de montagem, como ocorreu há cinco anos, quando Bento 16 beatificou, de uma lingada, 498 espanhóis (padres e leigos) fuzilados durante a Guerra Civil que devastou a Espanha de 1936 a 1939, opondo os que defendiam o governo republicano legitimamente eleito e os insurgentes fascistas do general Franco, que levaram a melhor com a ajuda de Hitler. O papa alemão os considera “mártires”, mas o que eles fizeram na verdade foi financiar e organizar o levante franquista. Do lado dos republicanos, também houve muitos religiosos mortos por se oporem ao franquismo, mas Ratzinger não os vê como “mártires”.

     Não lembro se foi no papado de Wojtyla ou no de Ratzinger, mas também mereceu a santificação uma quantidade grande de católicos supostamente “martirizados” no sul do Rio Grande do Norte durante a ocupação holandesa no Nordeste. Mas, eles foram mortos por serem católicos (no Recife, conviveram em paz, na mesma época, calvinistas holandeses, católicos portugueses e judeus) ou por se oporem aos holandeses? Donde se pode concluir que é a política, mais que a religião, que orienta os burocratas do Vaticano na escolha de “santos” impostos à força a toda a Igreja.

     E tem o caso escandaloso do Padre Pio, muito venerado na Itália e desmascarado por um livro do historiador Sergio Luzzato (Miracoli e politica nell’Italia del Novecento). Também mal visto pelo papa Roncalli (João 23, aquele que convocou o Concílio dos anos 1960), o qual deixou anotações em que diz que toda aquela conversa de pretensos estigmas que Padre Pio expunha nas mãos, como um Cristo crucificado, não passa de “um imenso engano” e que “suas relações condenáveis com os fiéis provocam um desastre de almas”. Para João 23, a amizade de Padre Pio com algumas mulheres não era assim tão espiritual e inocente. Em suas anotações sobre o caso, disse que “há cerca de 40 anos, essa contaminação atingiu centenas de milhares de almas, imbecilizadas em proporções inverossímeis”. Inúteis anotações. Seu substituto Paulo 6º não tomou nenhuma providência e, finalmente, João Paulo 2º  elevou Padre Pio às honras dos altares. Cadê a infalibilidade? Foi também o papa Wojtyla que carimbou como santo o fundador da organização secreta Opus Dei, nascida à sombra do fascismo franquista na Espanha, o padre fascistoide Josemaría. Escrivá.

     Na limpeza que o Hermano Francisco está fazendo nas Estribarias de Áugias reinstaladas na colina do Vaticano após o grande trabalho de Hércules, está faltando essa de que santo é santo, política e ideologia são outra coisa. Como ele tem se mostrado um autêntico servo dos servos de Deus, título ostentado por tantos papas para fingir humildade e melhor poder dominar a Igreja de Cristo, podemos aguardar isso dele. E talvez não esteja longe o dia em que o papa será apenas o bispo de Roma (como Francisco gosta de se apresentar) e que teremos uma Igreja sem papa (ver artigo do teólogo Leonardo Boff neste Porta-Voz), de braços mais abertos à unidade pregada pelo nosso mestre Jesus Cristo. Num grande concílio verdadeiramente ecumênico se congregariam patriarcas orientais e líderes de outras igrejas cristãs fiéis ao Evangelho em busca da unidade perdida quando a Igreja de Roma aliou-se a um decadente Império Romano e deu no que deu.

Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia
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