Por Marcelo Barros.
No domingo passado, último
do mês de setembro, as comunidades católicas celebram anualmente o dia da
Bíblia. É um convite para que se valorize cada vez mais a importância da Bíblia
na vida de quem crê. No ano passado, as agências norte-americanas noticiaram
que Ernie Chambers, senador por Nebraska, abriu na justiça dos Estados Unidos,
um processo criminal contra Deus por provocar o terrorismo dos grupos fanáticos
e por ter distribuído um livro considerado sagrado, a Bíblia, que, de acordo
com a acusação, serve para transmitir intolerância e discriminação dos crentes
contra pessoas e grupos de outras religiões.
No Brasil, essa acusação
contra Deus não foi formalizada em algum tribunal, mas Deus e a Bíblia são, cada
dia, acusados de discriminação religiosa e intolerância. Quase diariamente, em
alguma região do Brasil, em nome de Deus e da Bíblia, se cometem atos de agressão
a pessoas e grupos de religiões afrodescendentes e outras tradições
espirituais. Nesses dias, em uma favela do Rio de Janeiro, traficantes, ditos
“evangélicos” expulsaram moradores pelo fato de que seguem a religião do
Candomblé. E dizem agir assim em nome da Bíblia.
É, então, fundamental que
as pessoas de paz e que creem em Deus como Espírito de Amor e não como senhor
guerreiro e intolerante possam fazer um mutirão para reinterpretar a Bíblia de
outro modo. Ler a Bíblia como um livro que legitima intolerâncias é
interpretá-la fora do seu contexto histórico. A Bíblia é uma coleção de
escritos, poemas, orações e cartas que foram escritas por muitas pessoas e
diversas comunidades que a redigiram durante mais de mil anos. Embora, por
causa do contexto cultural e histórico, haja sim palavras e textos que pregam a
intolerância, a maioria dos escritos bíblicos procura testemunhar uma palavra
divina que ilumina a história vivida pelo antigo povo de Deus de Israel e chama
as pessoas para serem mais humanas e amorosas.
A humanidade tem em seu
tesouro cultural muitos livros sagrados, documentos importantes para muitas
religiões antigas e algumas mais novas. De todos os livros sagrados, a Bíblia é
o único aceito e assumido como revelação divina por duas religiões diferentes:
o Judaísmo e o Cristianismo. Em si mesma, a Bíblia é um livro inter-religioso e
no qual aparece uma grande diversidade de culturas e crenças. O Novo Testamento
é a parte especificamente cristã que conta como as primeiras comunidades de
discípulos e discípulas de Jesus ligaram a história bíblica com a experiência
vivida por Jesus e que ele nos chama a viver.
Ao ler, hoje, essas
páginas, podemos descobrir não somente como Deus conduziu o povo antigo de
Israel para uma terra e um projeto de vida comunitária, mas como essa história,
hoje, pode nos ajudar na construção de um mundo de justiça e paz. Nas páginas
da Bíblia, há uma evolução da revelação divina que culmina no Novo Testamento:
“Deus é amor. Quem ama vive com Deus e Deus vive com essa pessoa” (1 Jo 4, 16).
Todas as religiões merecem
o mais profundo respeito e carinho. Do seu modo, cada uma significa uma
resposta amorosa que as diversas culturas humanas dão ao amor divino. Cada uma
tem uma pedagogia própria para tornar as pessoas que as seguem mais humanas e
mais capazes de amar. No Brasil, as religiões afrodescendentes merecem mais ainda
nossa admiração porque foram elementos fundamentais da resistência das
comunidades negras, no meio dos maiores sofrimentos e perseguições. Deram às
pessoas a confirmação de sua identidade de filhos e filhas muito queridos de
Deus. Ao falar com os discípulos depois da ceia, Jesus afirmou: “Na casa do meu
Pai, há muitas moradas” (Jo 14, 2). As diversas religiões são como pousos ou
lugares de reabastecimento dessa casa de Deus que é o universo.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas",
Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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