Por Frei Betto
Na campanha presidencial de
2014, veremos reprisar o que tanto afetou a de 2010: o fator religioso. O
debate em torno da questão do aborto assumiu muito mais importância do que
demandas urgentes, como melhoria da saúde e da educação, ou projetos de
emancipação nacional, como a reforma agrária e a preservação da Amazônia.
O aborto e outros temas
ligados aos direitos reprodutivos e à sexualidade são apenas o biombo que
encobre algo muito mais ameaçador: o fundamentalismo religioso como força
política.
A globocolonização
neoliberal, ao se impor ao planeta hegemonizada pelo capitalismo como sistema
ideal de sociedade, se chocou com princípios religiosos de Estados e sociedades
islâmicas que não distinguem laicidade e religiosidade.
No Brasil, embora a
“questão religiosa” esteja formalmente equacionada desde o século XIX, quando
houve a separação oficial entre Igreja e Estado, há um óbvio ressurgimento da
apropriação do espaço público por instituições religiosas.
Não cabe aqui a
distinção dicotômica entre esfera pública reservada ao Estado e a esfera
privada à religião. Público e privado são duas faces de uma mesma moeda e,
embora diferenciadas, não podem ser separadas.
A religião goza, sim, do
direito de expressão pública e de recusar ao Estado o monopólio do controle da
sociedade. Porém, assim como o Estado, à luz da laicidade moderna, não tem o
direito de “professar” uma religião e atuar contra o pluralismo religioso, não
se pode admitir que a religião se aproprie do Estado para universalizar, via
legislação civil e mecanismos de controle, seus princípios e normas
doutrinários.
O fundamentalismo
religioso nasceu nos EUA, no início do século XX, com o objetivo de evitar a erosão,
pelo secularismo, das crenças fundamentais da tradição protestante, como a
expiação substitutiva realizada pela morte de Jesus e o seu iminente regresso
para julgar e governar o mundo, e a infalibilidade da Bíblia tomada em sua
literalidade, como a criação direta do mundo e da humanidade por Deus, em
oposição ao evolucionismo e ao darwinismo.
Em meados do século
passado, os fundamentalistas cristãos se convenceram de que não bastava pregar
no interior dos templos e converter corações e mentes. Era preciso impor à
sociedade tudo isso que concorre para o “bem dela”, como a criminalização do
aborto e da homossexualidade, do uso do álcool e do fumo, do entretenimento
pornográfico, e até mesmo de projetos que visam a reduzir a desigualdade social,
considerada reflexo da vontade divina.
Tal empreitada só é
possível pelo controle das instituições políticas que, de fato e de direito,
decidem o que é legal (bem) e o que é ilegal (mal) ao conjunto da sociedade. Um
pastor ou padre pode convencer seus fiéis de que ingerir bebidas alcoólicas é
contrário ao mandamento divino. Um governante pode muito mais: decretar a lei
seca e entregar às garras da Justiça todos que produzirem e comercializarem
produtos etílicos.
Nos nichos religiosos
fundamentalistas do Brasil, se choca o ovo da serpente, à semelhança do que
ocorre em países em que princípios derivados de tradições religiosas dispensam
a formalidade de um texto constitucional e nos quais não se concebe uma
laicidade independente da religiosidade.
Até agora os possíveis
candidatos à Presidência da República em 2014 ensaiam seus discursos na defesa
do governo petista, na crítica a este governo ou na promessa de aprimorar o que
já se fez, como as políticas sociais. Por enquanto, trata-se de obter meios,
como coligações partidárias que assegurem mais tempo de campanha eleitoral na
TV e posterior condições de governabilidade.
Ano que vem, definidas
as candidaturas, elas terão de tratar também dos fins, ou seja, dizer a que
vieram e para que vieram. Aí é que a porca torce o rabo. Na caça aos votos, os
candidatos serão pressionados pelos lobbies religiosos, que se julgam os únicos
intérpretes da vontade divina, a darem mais importância à temática do moralismo
farisaico, que insiste na pureza das mãos sem que se abram os braços aos pobres
e excluídos caídos à margem da sociedade, na contramão do que ensina a Parábola
do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37).
Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus – fé e
espiritualidade no mundo atual” (Paralela), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução
deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem
autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos
do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário