Por Leonardo Boff
No dia 24 de
setembro de 2013 morreu na aldeia dos indígenas Tapirapé no Araguaia a
Irmãnzinha de Jesus Genoveva. Dentro de poucos dias faria 60 anos de inserção
na vida daquela tribo que estava em extinção. Ela e suas companheiras viveram
uma experiência que o antropólogo Darcy Ribeiro considerava uma das mais
exemplares de toda a história da antropologia: o encontro e convivência de
alguém da cultura branca com a cultura indígena.
Republicarei um
artigo que escrevi ainda em 1992 quando a encontrei na prelazia de São Felix do
Araguaia. É uma pequena homenagem a esta extraordinária e santa mulher que se
identificou com os Tapirapé a ponto de parecer uma verdadeira Tapirapé: Lboff
Morreu a Irmã Genoveva, a parteira do
povo Tapirapé
Via de regra, a
propagação do cristianismo se fez pela palavra do evangelho no quadro de um
projeto civilizatório e de uma forma de ser Igreja que construiu edifícios
religiosos e escolas. É o evangelho pelo caminho do poder.
Mas nunca
faltou na história outra tendência, vivida outrora por Francisco de Assis e por
Bartolomé de las Casas, de acercar-se dos outros pelo caminho da
convivência pacífica, sem palavras, fraterna e amorosa.
No mundo
contemporâneo foi testemunhada pelo Irmão Carlos de Foucauld que nos
inícios do século XX foi ao meio dos muçulmanos no deserto da Algéria, não para
anunciar mas para conviver com eles e acolher a diferença de sua cultura e de
sua religião. E nos dias atuais está sendo vivida, exemplarmente, pelas
seguidoras do Irmão Carlos, as Irmãzinhas de Jesus, entre os índios Tapirapé no
noroeste do Mato Grosso, próximo ao rio Araguaia. É o poder do evangelho.
No domingo
passado, dia 17 de setembro de 2002 assisti a celebração do cinquentenário da
presença delas junto aos Tapirapé. Lá estava ainda a pioneira, a Irmãzinha
Genoveva que em outubro de 1952 começou sua convivência com a tribo. De
manhã, com o bispo Pedro Casaldáliga, advogado e defensor dos índios, se lançou
um livro de extraordinário valor: O renascer do povo Tapirapé: diário das
Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucauld, 1952-1953(Editora Salesiana, SP,
2002), belíssimamente ilustrado para estar à altura da refinada estética
dos Tapirapé.
Como
elas chegaram lá? As Irmãzinhas souberam através dos frades dominicanos
franceses que missionavam em terras do Araguaia, que os Tapirapé estavam em
extinção. Dos 1500 de antigamente foram reduzidos a 47 por causa
incursões dos Kayapó, das enfermidades dos brancos e da falta de mulheres. No
espírito do Irmão Carlos, de ir para conviver e não para converter, decidiram
unir-se à agonia de um povo.
À sua
chegada, a Irmãzinha Genoveva ouviu do cacique Marcos:”Os Tapirapé vão
desaparecer. Os brancos vão acabar conosco. Terra vale, caça vale, peixe vale.
Só índio não vale nada”. E eles haviam internalizado que não valiam nada mesmo
e que estavam condenados inexoravelmente a desaparecer.
Elas foram junto a
eles e pediram hospedagem. Começaram viver com eles o evangelho da fraternidade
na roça, na luta pela mandioca de cada dia, no aprendizado da língua e no
incentivo a tudo o que era deles, inclusive a religião, num percurso solidário
e sem retorno. Com o tempo foram incorporadas como
membros da tribo.
A autoestima deles voltou. Graças à mediação delas, conseguiram que mulheres Karajá se casassem com homens Tapirapé e assim garantissem a multiplicação do povo. De 47 passaram hoje a 520. Em 50 anos, elas não converteram sequer um membro da tribo. Mas conseguiram muito mais: fizeram-se parteiras de um povo, à luz daquele que entendeu sua missão de “trazer vida e vida em abundância”.
Quando vi o rosto
de uma india Tapirapé e o rosto envelhecido da Irmãzinha Genoveva notei: se
tivesse tingido de tucum seus cabelos brancos, ela seria tida por uma perfeita
mulher Tapirapé. Realizou, de fato, a profecia da Fundadora:”As Irmãzinhas se
farão Tapirapé, para daqui, irem aos outros e amá-los, mas serão
sempre Tapirapé”. Não é por ai que deverá seguir o Cristianismo, se quiser ter
futuro num mundo globalizado? O evangelho sem poder?
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. É autor do livro: Eclesiogênese:a reinvenção da Igreja.Record 2008 e Sustentabilidade: o que é o que não é, Vozes 2012.
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