Por ASSUERO GOMES
Poderia
ter se chamado Argos, como o de Ulisses. Clara deu-lhe esse nome quando o viu
pela primeira vez há uns onze anos. Nunca pensei que estaria escrevendo uma
memória sobre um pequeno cão. Um yorkshire dourado que passou por nossas vidas
e levou consigo ao final, um bom pedaço das alegrias e lembranças da infância
de meus filhos.
Aprendi
com uma senhora, durante o breve enterro do cachorrinho, que os animais têm
também uma alma, não uma alma personalíssima, mas uma alma vivente que faz
parte do ânima, que habita todos os seres vivos do universo. Um sopro de vida.
O sopro de Deus, Ruá, que mantêm a vida, e que perpassa a Criação.
Muitas
vezes Joxer fez companhia, ora silenciosa, ora nem tanto. Dissipou a solidão
como uma fumaça ante a um sopro. Dissipou tristezas banais e horas tardias.
Alegrou, deu trabalho, irritou, latiu, quase falou, choramingou, pediu,
reclamou, mas sempre, sempre mesmo, nos recebeu alegre.
Preencheu
espaços do apartamento, sonorizou o lar, dirimiu saudades. Ensinou-nos a
cuidar. Ensinou meus filhos a lição fundamental de que toda vida requer cuidado
e que quem ama cuida.
Uma
balada para Joxer. Comporia para ele uma balada quase infantil, com seus
latidos e afagos, com os risos dos filhos, as reclamações e arengas também, e
especialmente com a solidariedade da sua companhia sempre disposta. Seria uma
balada suave, dessas de não esquecer. Uma balada para um pequeno cometazinho
dourado que entrou por nossas vidas e ficou na lembrança do coração e agora
partiu para habitar o mundo mágico das lembranças, onde somos sempre felizes,
onde os filhos não crescem, onde os jardins cheiram sempre o perfume da
primeira namorada, onde a noite não é escura, onde o ladrão não entra, porque
há um cãozinho guardando sua paz...
Joxer
se tornou agora, como sempre sonharam meus filhos, um Atreyu de uma História
Sem Fim, em sua busca eterna para a cura dos males que assolam a princesa do
reino encantado da fantasia. Para mim retornou à sua Odisseia sem Ulisses que
agora só, aguarda em Ítaca, alguém para festejá-lo na sua espera.
Uma
balada, mesmo de saudade, não deve ser obrigatoriamente triste. Num quintal,
entre pequenas plantas verdes, algumas flores ermas, um pequeno arbusto,
repousa o pequeno guerreiro. O vento, nas madrugadas, podem tocar os sinos
dependurados no orvalho das plantas, soltar suas gotas de cristais, não de
lágrimas, e emitir as notas musicais para essa balada, suave e lenta. O vento
toca então, desde então, uma canção, uma balada para Joxer.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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