por Frei Betto
“O problema do menor é o maior”, já alertava o filósofo Carlito Maia. Somos
todos frutos da (des)educação que recebemos.
Vivi dois anos entre presos comuns. Conheci suas trágicas histórias de vida.
Também eu e você seríamos perigosos bandidos se tivéssemos sido criados em uma
“família” cujo pai, desempregado e bêbado, surrava mulher e filhos e, para se
sustentar, os impedia de ir à escola e os induzia a praticar furtos.
Reduzir a maioridade penal é lavar as mãos, como Pilatos, diante do descaso
para com as nossas crianças e adolescentes. É não reconhecer que elas ingressam
no crime porque a sociedade não lhes assegura direitos fundamentais, como
educação de qualidade.
O Brasil tem, hoje, quase 4 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos,
fora da escola. As creches são raras e caras. Na campanha presidencial de 2010,
Dilma prometeu 6 mil creches e pré-escolas, para crianças de zero a 5 anos, até
2014. O MEC admite que apenas 1/3 da meta foi cumprida.
Por que, em vez de reduzir a maioridade penal, não se aumenta a oferta de
educação de qualidade gratuita e em tempo integral? Educação é direito do cidadão
e dever do Estado. Em países com plena escolaridade a criminalidade precoce é
residual. E quando existe não se culpabiliza a criança, e sim a sociedade, que
é responsável por educá-la e oferecer-lhe um futuro promissor.
Em 2006, o Brasil se comprometeu, na OIT (Organização Internacional do
Trabalho), a erradicar, até o fim de 2015, as 89 “piores formas de trabalho
infantil”. A meta não será cumprida, já admitiu o governo. Embora nos últimos
doze anos tenha sido de 58,1% a redução do trabalho infantil, ainda há 3,2
milhões de crianças e jovens, de 5 a 17 anos, no mercado de trabalho.
O trabalho infantil fere a Constituição e o Estatuto da Criança e do
Adolescente. No entanto, quem o utiliza não incorre em nenhum crime. Exploração
do trabalho infantil não existe no Código Penal Brasileiro. Dos 715 mil presos
que lotam nossas cadeias, nenhum se encontra ali por explorar crianças e
adolescentes.
O projeto para mudar tal anomalia trafega lentamente no Congresso. Há
parlamentares que defendem, abertamente, ser preferível uma criança
“trabalhando que roubando”. Ou seja, o adulto empregador pode, impunemente,
explorar mão de obra infantil. Mas se a criança furtar, dá-lhe cadeia e
penalidade severa. Charles Dickens deve estar se revirando no túmulo!
Enquanto adultos tentam se eximir de suas responsabilidades e propõem reduzir a
maioridade penal, sem enfrentar as causas da criminalidade infantil e da
miséria, em Itaguaí (RJ) crianças de 9 a 13 anos chegam a ganhar R$ 1 mil por
semana do narcotráfico para servirem de olheiros em bocas de fumo, vapores
(vender pequenas quantidades de drogas) e monitorar o acesso aos pontos de
venda.
Não basta “pacificar”, com repressão policial, áreas dominadas por traficantes.
É preciso introduzir ali escolas, praças de esportes, salas de arte, cursos
profissionalizantes, aulas de teatro, música e dança. Enfim, educação.
Frei Betto é escritor,
autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”
(Rocco), entre outros livros.
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