por Frei Betto
A reaproximação de Cuba e EUA, anunciada em 17 de dezembro por Raúl Castro e
Obama, é vista com cautela pelos cubanos.
Nas visitas que fiz à ilha revolucionária em janeiro e abril deste ano, cubanos
admitiram que a reaproximação é inevitável. Porém, “há um longo caminho a ser
percorrido”, disse-me Fidel que, aos 88 anos, continua lúcido e atento ao
noticiário. E muito interessado em tudo que se passa no Brasil.
Não basta a nova retórica de Obama. “É preciso que os EUA excluam Cuba da lista
dos países terroristas”, frisou Fidel (o que ocorreu após o encontro de Raúl e
Obama no Panamá, em abril) – “e suspendam o bloqueio.” Na reunião da CELAC, na
Costa Rica, em janeiro, Raúl acrescentou: “E devolvam a base naval de
Guantánamo.”
Cuba recebe, hoje, 3 milhões de turistas por ano. (Para nossa vergonha, o
Brasil, com esse imenso potencial turístico, recebe apenas 6 milhões). A
diferença com o nosso país é que Cuba tem política de Estado de implementação
turística, e promove turismos ecológicos, científicos e culturais. Já o Brasil,
além da ausência de política para o setor, explora apenas o Carnaval, praias e
mulatas...
Dos 3 milhões de turistas que desembarcam na ilha, uma terça parte é de
canadenses que, em três horas de voo, trocam 30 graus abaixo de zero por 30
graus acima nas despoluídas e belas praias do Caribe.
Com a reaproximação com os EUA, prevê-se que viajarão a Cuba, a cada ano, 3
milhões de estadunidenses. Eis o temor dos cubanos. O país, por enquanto, não
dispõe de infraestrutura adequada para absorver tantos visitantes.
Segundo os cubanos, os canadenses são respeitosos, discretos e de fácil
entrosamento com a população local. Já os estadunidenses carregam três
acentuados defeitos: a arrogância (acham-se os donos do mundo); o consumismo
(comprar, desde carros antigos que trafegam pelas ruas de Havana, até
mulheres...); e a mania de viajar sem sair dos EUA... (o que explica a
existência, em cada ponto turístico do planeta, de McDonald’s e redes
hoteleiras ianques, como Sheraton, Intercontinental etc).
Ainda assim, os dólares são bem-vindos a uma economia deficitária, embora haja
consciência de que o reatamento significa o choque do tsunami consumista com a
austeridade revolucionária.
Tudo indica que, inicialmente, o fluxo maior de viajantes dos EUA rumo a Cuba
será motivado pelo “turismo médico”. Para o cidadão comum, tratamentos de saúde
nos EUA são caros e precários. Cuba, além de excelência na área, reconhecida
internacionalmente, possui expertise em ortopedia. E, atualmente, desenvolve
vacinas eficientes contra vários tipos de câncer.
Agora, resta à Casa Branca passar do discurso à prática. Como me enfatizou
Fidel, “eles são nossos inimigos e, portanto, precisam mudar não apenas os
métodos, mas sobretudo os objetivos em relação a Cuba.”
Frei Betto é escritor,
autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
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