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sexta-feira, 12 de junho de 2015

NOVA PRIMAVERA DE UMA IGREJA


 por Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio 


            A chegada do Papa Francisco representou para a Igreja latino-americana um renascer, uma nova primavera.  Algo assim toma lugar no catolicismo latino-americano.  A memória de grandes líderes dessa Igreja está sendo revivida e honrada; o sacrifício de tantos bispos, padres e leigos, mortos sob ditadura militar, vai sendo reconhecido e venerado; e alguns teólogos, outrora acusados de heresia, são resgatados e valorizados.

            O primeiro papa latino-americano tem dado à Igreja do seu continente cidadania e reconhecimento dentro da Igreja universal.  O clima existente antes de sua eleição – de desânimo, desesperança – cede lugar a uma alegria e um entusiasmo novos. E um dos primeiros sinais é justamente a valorização da Igreja latino-americana, que parecia haver sido posta um tanto à sombra em anos anteriores. 

            A teologia da libertação, que parte da opção pelos pobres, foi novamente legitimada e vários de seus pioneiros, como Gustavo Gutiérrez, reconhecidos e consultados pelo Papa.  

            A igreja na América Latina revisita seu passado com um santo orgulho.  A memória deste passado é estimulante e provoca a criatividade, desencadeia processos transformativos e dinâmicas de vida.  Esta Igreja, que tanto contribuiu para que algo novo nascesse e brilhasse na história do cristianismo, apresentou a mais original e válida recepção do Concílio Vaticano II.  Por isso, foi muitas vezes incompreendida.  Agora parece terem passado esses tempos duros. O novo Papa lhe abre as portas e a mostra positivamente ao mundo.

            Este passado, que conta com uma fértil e abundante produção teológica e é selado pelo testemunho de muitos mártires e confessores, continua a iluminar aqueles que não se conformam com este mundo tal qual é, e desejam ardentemente construir algo novo.  A memória do que foi construído pela Igreja latino-americana nos anos 1970 e 1980 é perigosa e subversiva, provoca sempre pessoas e comunidades a viverem na verdade e não fazerem concessões à injustiça.  Seu resgate pelo atual pontificado demonstra que nenhum poder ou opressão poderá fazê-la desaparecer.

            A prova é o que acontece neste momento.  Não apenas as opções principais desta Igreja – pelos pobres, pela justiça – ainda estão vivas e influenciando as pessoas, mas também o magistério da Igreja, na pessoa do Papa, está trazendo à luz novamente e de forma positiva toda esta história de maneira mais que evidente.  Assim, as vítimas não são esquecidas, os pobres não são excluídos do pensar teológico como prioridade, mas ao contrário, estão presentes sempre inspirando e movendo os esforços teológicos de hoje.

         Ao lado disso, este passado foi capaz de gerar um presente criativo e dinâmico.  Os momentos difíceis vividos ao sul do Equador, no final dos anos 1980 e nos anos 1990, não levaram a Igreja latino-americana a uma posição derrotista.  Mas ao contrário, fez com que esta alargasse seu olhar e fosse em busca de outros temas para sua pesquisa e reflexão.  Permanecendo fiel aos pobres e ao povo crente e simples, criou novas áreas por onde a reflexão teológica pode caminhar.

       Hoje, a teologia do continente se ocupa de outras pobrezas além da socioeconômica.  São pobrezas antropológicas, como a questão da ecologia e do cuidado com o planeta, do gênero, do diálogo inter-religioso.  No entanto, tais temas vêm sempre conectados com as opções centrais que sempre foram as da Igreja latino-americana pós conciliar: libertação de todos os tipos de opressão, luta contra a exclusão e as discriminações de toda ordem – raça, etnia, sexo etc. – e contra toda forma de dominação e preconceito. 

        Trata-se de um momento abençoado e raro, em que as forças e as energias teológicas de todo o continente são convocadas a dar o melhor de si.  Neste tempo que já configura várias décadas, a pobreza, a violência, as discriminações, não diminuíram, mas aumentaram.  Cabe então a uma Igreja que cunhou a libertação como palavra de ordem continuar, e mais intensamente ainda, a colocar sua reflexão a serviço dessa causa. 

      Nesta nova primavera, a teologia latino-americana respira liberdade.  Que saiba usá-la para um serviço sempre maior ao povo de Deus, dentro desta Igreja que sempre amou e à qual sempre foi fiel.


           A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 

 A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 
  
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