Marcelo Barros
Nesses dias, em
todo o Brasil, a cultura popular é tomada pelas festas juninas. São costumes pré-cristãos
muito antigos que cultuavam a natureza na mudança de estação. Pouco a pouco, o
Cristianismo adaptou essas festas e lhes deu um novo significado. As fogueiras,
brincadeiras e cânticos tradicionais que, nos séculos antigos, representavam
cultos à natureza passaram a ter como objetivo fazer memória do nascimento de
São João Batista. Nas culturas andinas, nesses dias se celebra a festa do Sol:
Inti Rami. Os índios resgatam suas culturas ancestrais e ligam a contemplação
da natureza a presença de Deus que nos renova. Ele é como a luz e o calor de um
fogo novo em meio à noite fria do inverno.
No Brasil, o povo
que participa das festas juninas usam bandeira de São João menino e pouco sabem
do que conta o evangelho. Mas, seja como for, através da fogueira, dos fogos e
das brincadeiras, sinalizam o que o
evangelho revela: no meio da escuridão do mundo, João foi como uma fogueira que
iluminou a presença da Luz que é Jesus. Os grupos de novena e folia sabem que o
importante da narrativa do evangelho é anunciar que começa no mundo um tempo
novo. O útero da mulher estéril (Isabel) se torna fértil e o pai mudo (Zacarias)
se põe a falar. São sinais de que o mal não é inevitável e sempre um milagre
pode ocorrer. A esterilidade nossa e do mundo pode se tornar fecunda. Os que
não têm voz podem ser profetas de um mundo novo possível.
Ao ressaltar que o
rio Jordão atravessa uma região desértica e ao valorizar o batismo como
mergulho em uma vida nova, João Batista nos convida a valorizar a água como
sinal de vida. Podemos descobrir, mesmo na aridez, oásis de fertilidade e
caminhos de vida nova. Em meio a todas as dificuldades, podemos mergulhar no
divino (isso é, batizados/as) e ser testemunhas da ação divina de transformação
do mundo.
Para a fé cristã,
João Batista é principalmente o profeta que aponta o Cristo presente no mundo. João
Batista e Jesus de Nazaré reuniram pessoas consideradas socialmente pecadoras e
não os religiosos. Esses não os aceitaram. Como naquele tempo, até hoje existe
um tipo de espiritualidade que situa as pessoas em uma espécie de elite sagrada.
Esses grupos se impõem uma série de ideais e metas que tentam alcançar através
de exercícios espirituais. Esse tipo de espiritualidade tem seu valor, mas,
muitas vezes, acaba centrando as pessoas nelas mesmas e no objetivo que querem alcançar.
A verdadeira espiritualidade nada tem de atletismo espiritual. É amorosidade e
capacidade de conviver solidariamente com os outros. Além disso, formar gueto
espiritual não ajuda ninguém a perceber o negativo presente em sua vida. A
pessoa constrói sua vida espiritual como um edifício sem alicerce. A qualquer
momento, aqueles elementos íntimos que são negados e escondidos, mas nem por
isso deixam de existir, vêm à tona e passam a dominar. Ao pedir conversão, João
Batista nos lembra que temos de assumir nossas negatividades e trabalhá-las,
nos descobrindo frágeis e divididos, mas sempre objetos prediletos do carinho
divino.
Atualmente, corremos
o risco de transformar o mundo inteiro em deserto. Nesses dias, o papa
Francisco publicou sua carta encíclica sobre a Ecologia e a nossa
responsabilidade comum diante do ambiente. Ele nos convida a ser profetas como
João e mostrar que a sociedade capitalista está transformando o mundo inteiro
em um imenso deserto. No entanto, nós, cristãos, pessoas de outras tradições
espirituais, junto com todas as pessoas de boa vontade, podemos aprimorar o
cuidado amoroso com a natureza e todos os seres vivos. Esse cuidado deve se
espalhar assim como o rio Jordão atravessa a aridez da Palestina. Seria
importante ligar as comemorações juninas com o cuidado com a natureza. As
fogueiras não podem destruir a vegetação nem provocar incêndios. Devem iluminar
nosso caminho para reconstruir um mundo mais feliz. Temos também um deserto interior, um espaço de
solidão e silêncio no qual precisamos entrar para acolher o divino e ser
transformados por ele. Para nós também, João Batista continua a dizer: “No meio
de vocês está alguém que vocês não conhecem e ele vai mergulhar a todos/as no
Espírito de Amor”.
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