Por Frei Betto
“A unanimidade é burra”, já dizia Nelson Rodrigues. A diversidade é a base da
democracia. Convém, entretanto, não confundir democracia com panaceia
democrática.
A
rigor, democracia é o governo do povo pelo povo. Temos governo, temos povo, mas
não dispomos de mecanismos que fortaleçam o protagonismo político do povo.
Nosso sistema democrático é viciado. Nós votamos, o poder econômico elege.
A
suposta democracia política tromba de frente com a falta de democracia
econômica. Isso é universal. Onde impera a democracia capitalista, vigora a
ditadura dos donos do dinheiro.
Os ricos do mundo sabem muito bem que democratizar a economia, o que significa
aumentar a renda dos mais pobres, é decretar o fim de seus luxos e privilégios.
Essa ganância não decorre apenas da má índole dos que se apropriam da parcela
maior da riqueza. É estrutural. O capitalismo edificou, nos últimos dois
séculos e meio, estruturas que consolidam as desigualdades sociais. Nele só tem
direito a uma vida digna aqueles que foram sorteados pela loteria biológica ao
nascer em uma família aquinhoada.
Fora disso, todos dependem do que o sistema apregoa como seu valor máximo:
competitividade. E não solidariedade. A riqueza é pouca, e multidões a
ambicionam. Se desejam alcançá-la, tratem de escalar a íngreme montanha,
fazendo com que os concorrentes rolem encosta abaixo. No pico cabem poucos. Em
nenhum momento o sistema parte do princípio humanitário de que todos têm
direito a uma vida digna e, portanto, caberia ao Estado administrar a
distribuição da riqueza.
A
injustiça é estrutural e os ideólogos do sistema, como Adam Smith, incutiram em
muitas cabeças que a questão de riqueza e pobreza depende da “mão invisível do
mercado”. Ou seja, há um mecanismo que, à revelia da vontade de qualquer
pessoa, faz com que as coisas sejam como são. Pura falácia, porém respaldada
pelo aviso prévio de que fora do mercado não há salvação...
Mesmo os mais renomados opressores se gabam de ser éticos: pagam a seus empregados
salários acima do valor de mercado; jamais destratam um garçom ou manobrista;
são incapazes de roubar um bem alheio.
Como são bem informados,
conhecem os mecanismos do sistema. E por ter poder, conseguem fazer aprovar
leis que favorecem os seus negócios, como obter empréstimos fabulosos de bancos
públicos a juros baixos ou ter suas dívidas perdoadas pelo governo. Tudo legal!
Jamais se perguntam se é... justo!
Alguns ambiciosos agem à margem das leis do sistema. É o que ocorreu no
Petrolão e na Operação Zelotes, que apuram a sonegação das grandes empresas. Os
envolvidos não se sentem corruptos. Contabilizam tudo nas “regras do jogo”. Na
convicção de que “sempre funcionou assim”. E se uma corporação não aceita o
jogo, fica fora do festim. Assim, a ética, como o gato, sobe no telhado...
A
falta de caráter leva os envolvidos na corrupção a vestir, não apenas a camisa,
mas a pele de suas corporações, e arriscar a própria no jogo escuso do mercado.
Se um desses corruptos sentar em uma sala de visitas, é possível que receba
toda deferência da família que o acolhe. Rico como é, talvez provoque, da parte
dos anfitriões, uma ponta de inveja...
Porém, se o visitante enfiar no bolso o cinzeiro de cristal e a família
perceber, com certeza será acusado de ladrão e expulso da casa.
Enquanto nosso senso ético for tolerante com a falta de ética no social e
intolerante apenas no pessoal, não haverá Lava Jato que resolva.
Frei Betto é escritor,
autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de “O desafio ético”
(Garamond), entre outros livros.
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Maria Helena Guimarães
Pereira
MHP Agente Literária -
Assessoria
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