Maria Clara Lucchetti
Bingemer
Enumerado em último lugar
na lista dos cinco sentidos, o tato é, na verdade, o primeiro sentido que o ser
humano põe em funcionamento. Quando o bebê escuta algum ruído no seu
entorno, busca pelo tato o seio e o corpo da mãe, nele se aconchega,
sentindo em sua pele o contato que o tranquiliza e lhe diz que é amado,
alimentado, cuidado, querido.
À medida que cresce,
aprende mais sobre a pele, camada sensível e fina que o cobre por inteiro,
desde o alto da cabeça até a ponta dos pés. A pele será sempre lugar de gozo
quando a criança é acariciada e beijada pela mãe e pelo pai. Mais tarde,
essa pele sentirá com prazer o abraço dos amigos queridos, os beijos do
namorado ou namorada. Sentirá igualmente o calor do sol que a queima e
aquece e a chuva que a encharca e refresca do calor. Assim como o frescor
do vento que lhe provoca delicioso arrepio ao cair da tarde e o frio que a leva
a cobrir-se e abrigar-se.
Porém, não só de delícia
vive a pele humana. Ela também experimentará a
vulnerabilidade, a fragilidade e a dor. Assim, a criança travessa sentirá
a ardência do machucado no joelho depois da queda em meio à corrida. Enquanto é
pequena, a cura virá dos beijos da mãe e um pouco de mercúrio cromo. Mais
tarde, as corridas irresponsáveis de moto, ou de carro poderão trazer
machucados ainda maiores e difíceis de curar. Aqueles que foram queimados
por fogo ou atrito em algum acidente sério experimentam quão doloroso é o
resgate da pele destruída pela queimadura de segundo ou terceiro grau, através
de longos e pacientes meses de curativos e enxertos.
É na pele que o ser humano
recebe as marcas mais sensíveis, positivas ou negativas. O amor se
expressa pelo tato que toca nesta pele e a faz vibrar, exultar, gozar e
sentir-se pleno e cheio de vida. Todo aquele ou aquela que já
experimentou o amor sob quaisquer das suas formas sabe de que falo. De
maneira muito especial, os casais apaixonados que vivem a bela experiência de
fazer amor através de carícias e descobertas de zonas erógenas e sensíveis na
pele do outro ou da outra a quem desejam dar prazer. Tocar o outro amado
é tudo que alguém deseja quando está apaixonado.
Por outro lado, o ódio e a
violência também se aproximam da pele humana, da pele alheia, para feri-la,
atingi-la, torturá-la e reduzi-la a carne viva, sanguinolenta e ferida.
As vítimas de tortura, lamentavelmente ainda presente nos dias de hoje nos
cárceres, sabem bem como a pele é sensível, quando sofrem e gemem sob
inclementes agressões de outro ser humano na tentativa de arrancar-lhes confissões,
delações ou outras capitulações que reduzem a humanidade daqueles que se
encontram sob seu jugo.
Lugar da dor e da delícia,
a pele humana é dom gratuito que nos faz permeáveis ao mundo, aos outros e
àquilo que transcende o mundo e o que está ao alcance do nosso corpo, sem
deixar de passar por ele. A vulnerabilidade e a sensibilidade da pele que
habitamos são nossa condição de sentir os toques que nos são dados pela vida,
pelos semelhantes, por Deus.
Sabem bem disso os
místicos que se exercitam em reconhecer o toque único do Amado, de Deus.
Não é à toa, portanto, que descrevem suas experiências espirituais usando,
muitas vezes, o vocabulário da sexualidade e das núpcias, procurando palavras
pobres e insuficientes para dizer o indizível que experimentam e que os faz
estremecer de desejo e plenitude.
Sabia disso igualmente
Jesus de Nazaré, Filho de Deus encarnado, que em meio à multidão que o
pressionava e empurrava, sentiu o toque humilde e amoroso da mulher que, há
doze anos, padecia de um fluxo de sangue e esperava apenas tocar em seu manto
para ficar curada, conforme narra o evangelho de Marcos. Ou o toque
apaixonado das lágrimas, dos cabelos e das mãos da mulher pecadora que invadiu
o banquete bem comportado do fariseu, contado pelo evangelho de Lucas, para
demonstrar-lhe escandalosamente seu amor na pele de seus pés.
Talvez tenha recordado
esses toques de carinho e amor quando foi ferido pelas lanças dos soldados,
chicotadas e chibatadas dos torturadores e preso ao madeiro da cruz. Em
meio à dor experimentava a entrega ao Pai daquele corpo humano, tão humano e
vulnerável como qualquer outro, por onde passava a Redenção.
Pele – dor e delícia,
lugar de nosso gozo e vulnerabilidade. Que o uso que fazemos do sentido
do tato seja ungido pela dignidade que tem essa camada de vida palpitante que
nos cobre por inteiro.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga e é autora de “O
mistério e o mundo– Paixão por Deus em tempo de descrença”,
Editora Rocco.
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