por Maria Clara
Bingemer
O mundo acompanha com atenção extrema o périplo de Francisco pela Ilha
caribenha de Cuba seguido de visitas a algumas cidades dos Estados Unidos. É
sintomático e coerente com o estilo papal que haja começado por Cuba. O
todo poderoso império estadunidense vem depois da pequena Ilha, tão combalida
por tantas adversidades nos últimos tempos. Como tem sido a marca de seu
pontificado, Francisco agora reafirma: primeiro os que passam por mais
dificuldades, os pobres, os que sofrem.
É abundante e rico em conteúdo o que vem falando o pontífice em seu périplo
cubano. A mídia foi pródiga em imagens e notícias: a saudação cordial a
Raúl Castro, a visita fraterna e íntima ao velho comandante Fidel e a troca de
livros entre ambos, a peregrinação “como filho e peregrino” ao santuário da
Virgem de la Caridad del Cobre, Cachita, como a chamam carinhosamente os
habitantes da Ilha.
Em poucas palavras e nos
limites desse artigo seria difícil chamar a atenção para todos os
destaques importantes desta visita histórica. O Papa sela com sua
presença a reaproximação entre os dois países, para a qual sua mediação foi
importante elemento. O caminho a andar ainda é grande. Há
resistências de um lado e de outro. Por isso, ao chegar Francisco disse a
palavra que guiaria toda a sua visita: reconciliação.
No aeroporto internacional
José Martí, em seu primeiro discurso em território cubano, o Papa afirmou que a
reaproximação entre Cuba e Estados Unidos é um “exemplo” para o mundo atual. “É
um exemplo...e o mundo precisa desse exemplo, porque vivemos um momento de uma
terceira guerra mundial em capítulos.“ E neste mesmo discurso afirmou ser
a reaproximação entre os dois países, por décadas com as relações rompidas, uma
vitória do diálogo.
Em seu segundo dia de
visita, a tônica das palavras do Papa foi a questão do serviço. Encareceu
a importância de que esse serviço não seja ideológico, pois não se serve a
ideias e sim a pessoas. Em seguida, ressaltou a forma que deve tomar este
serviço: cuidar das fragilidades das pessoas, ou seja, dirigir-se àqueles que
são mais vulneráveis, que estão mais desprotegidos e expostos às intempéries da
vida. Segundo o Pontífice, a grandeza de um país se mede pela maneira como
trata aqueles que são mais frágeis.
Embora não tenha dito
expressamente, pode-se interpretar aí uma aprovação de Francisco a certas
conquistas positivas do regime cubano, sobretudo em relação às crianças e
também aos idosos. Ou seja, aos mais frágeis. Igualmente não estaria
ausente das preocupações do Papa o perigo latente com a abertura da Ilha às
relações com o vizinho do norte de que o consumo invada e seduza a
população. Por décadas Cuba construiu um modelo que, com todos os seus
defeitos, busca a justiça através de um estilo de vida austero e sóbrio, embora
não isento de sacrifícios. E com grande dignidade.
A reconciliação que
implicaria no fim do embargo imposto à Ilha pelo governo estadunidense e a
liberação de Guantánamo, atualmente base militar americana, poderia devolver
aos cubanos uma tranquilidade pela qual há muito esperam. Pois apesar da
dignidade com que erguem a cabeça, da alegria na qual insistem em viver, todos
sabem que a vida não tem sido fácil nos últimos anos para o povo da ilha.
Por isso, Francisco paternalmente disse, em seu segundo dia de visita:
"apesar das feridas que tem como qualquer povo, (o povo cubano) sabe abrir
os braços, caminhar com esperança, porque se sente chamado para a
grandeza".
A reconciliação que
abriria as portas da comunicação e do livre comércio entre Cuba e os Estados
Unidos implicaria concessões de ambos os lados. Se aos estadunidenses
seriam pedidas medidas concretas com impacto na abertura das relações
comerciais e no reconhecimento efetivo da soberania da Ilha, do governo cubano
seria pedida maior liberdade ao povo, além da democratização do regime, com
eleições e todos os demais rituais da democracia.
Francisco sabe que isso
não é fácil nem rápido. Trata-se de um processo lento e delicado, a ser
realizado e acompanhado com muito carinho. Por isso, no último dia de sua
visita foi depositar suas intenções aos pés da Virgem mambisa, mãe de todos os
cubanos. Em Santiago de Cuba, sede do santuário do Cobre, Francisco
louvou Maria como a personificação de "uma revolução da ternura", e
instou os cubanos a seguirem o seu exemplo "para construírem pontes,
deitar abaixo muros, plantar sementes de reconciliação", em clara alusão a
esse recente e delicado processo de reconciliação que ajudou a iniciar.
Dirigindo-se filialmente a
Nossa Senhora, chamou-a “Mãe da Reconciliação” e pediu-lhe que reunisse todo o
seu povo disperso pelo mundo, fazendo da nação cubana um lar de irmãos e irmãs.
Francisco partiu rumo ao Norte. Em solo cubano, deixou a semente da
reconciliação. E um apelo: no país que foi capaz de fazer a revolução que
trouxe tantas conquistas de justiça para um povo oprimido e subjugado, ter a
coragem de fazer a “revolução da reconciliação”, interna e externamente.
É exigente, é difícil, mas extremamente libertador.
Esperemos que de
ambas as partes os muros sejam derrubados, as pontes se estendam sobre os
espaços vazios e as sementes brotem em flores e frutos. E que Deus
continue inspirando o peregrino e mensageiro da reconciliação e da paz.
Maria Clara
Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga e autora
de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de
descrença”, Editora Rocco.
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