Por Marcelo Barros
Nesses dias, voltaram a circular na
internet, pessoas e grupos católicos que pedem ao papa Francisco para convocar
um novo concílio ecumênico. A cada dia, esse pedido agrega mais assinaturas de
adesão. De fato, na Igreja Católica, o desejo de um novo Concílio ecumênico
surgiu concretamente em 1999, no Sínododos Bispos em Roma, a partir de um
pedido do cardeal Carlo Maria Martini e de outros bispos. A partir daí muitos
ministros e fiéis aderiram ao pedido. Em Madri, existe até uma secretaria
internacional do movimento por um novo Concílio.
No entanto, nos anos mais recentes,
a proposta foi sendo transformada. Em primeiro lugar, atualmente, devido à
importância do tema e à realidade, não parece mais ser indicado um concilio que
reúna apenas bispos e sim possa se constituir como uma grande assembleia ou
fórum mundial, representativa de todas as forças vivas da Igreja. Também em
tempos de uma “Igreja em saída”, como propõe o papa Francisco, esse fórum eclesial
deve sim tratar de temas e questões internas da Igreja, mas não pode se
restringir a isso. Desde os anos 40, ainda na Alemanha nazista, o pastor
Dietrich Bonhoeffer já havia sugerido um concílio de todos os cristãos sobre a
paz, justiça e defesa da criação (natureza).
Tanto pelo tema, como pela proposta
de serviço comum à humanidade, essa assembleia precisará reunir ministros e
fiéis de todas as Igrejas cristãs que aceitarem dialogar e representantes de
outras religiões que se proponham a um caminho comum. Evidentemente, um fórum
dessa natureza teria de ser preparado com muita antecedência e ser precedido
por diversos encontros locais, regionais e nacionais. As discussões e
aprofundamentos das bases se realizariam, antes de tudo, em cada Igreja e,
depois, se ampliariam até o nível ecumênico e inter-religioso. Isso é o que se
chama de processo sinodal. Vem do termo grego synodos que se significa “caminho
feito em comum”.
No Cristianismo, algumas Igrejas têm
natureza sinodal. O sínodo é a autoridade máxima para denominações como as
Igrejas Orientais Ortodoxas e, no Ocidente, as Igrejas evangélicas congregacionais.
Em 1973, em Salamanca, a Comissão Fé e Constituição ligada ao Conselho Mundial
de Igrejasfoi retomada pela Assembléia do CMI em Nairobi. Afirmava: “A
Igrejadeve ser vista como uma comunidade conciliar de Igrejas locais,
autenticamente unidas umas às outras. Nessa comunidade conciliar, cada Igreja
local possui, em comunhão com as outras, a plenitude da catolicidade e dá
testemunho da mesma fé apostólica.” (...) “Na vida da Igreja, o fato de se
organizar em sínodo é o reflexo de que cremos em um Deus que é comunhão.”
Na Igreja Católica Romana, depois de
séculos, o Concílio Vaticano II revalorizou a realização de sínodos, tanto nos
níveis locais e regionais, como no plano mundial. Em 2007, como arcebispo de
Buenos Ayres, o cardeal Bergoglio foi um dos coordenadores do mais recente
sínodo das Igrejas latino-americanas e caribenhas: a 5a Conferência Geral do
episcopado latino-americano em Aparecida (2007). E esse sínodo o marcou muito.
Ao se apresentar como “bispo de Roma”, o papa Francisco revela sua intenção de
insistir mais nesse instrumento de diálogo e crescimento em comum.
O mês de setembro nos recorda a
importante conferência desse mesmo episcopado católico em Medellín, Colômbia,
em setembro de 1968. Esse foi o encontro
que adaptou o Concílio Vaticano II às dioceses da América Latina. Mais do que
isso, nessa conferência, a Igreja Católica conseguiu inserir-se profundamente
na realidade social e política do nosso continente e propor um novo modo de
viver a missão em cada país e situação. A partir da conferência de Medellín, se
fortaleceu a experiência das comunidades eclesiais de base. Dois anos depois,
começava-se a Teologia da Libertação: um método teológico de unir fé e vida,
missão da Igreja e serviço libertador dos mais pobres.
Nesse momento, em que muitos grupos
pedem que as Igrejas retomem sua vocação sinodal, é importante recordarmos as
propostas principais formuladas pelos bispos católicos em Medellín. Sem dúvida,
a realidade mudou muito. No entanto, ninguém pode negar a força atual da
proposta central dos bispos em Medellín: “Que, na América Latina e Caribe, se
apresente cada vez mais claramente o rosto de uma Igreja autenticamente pobre,
missionária e pascal, corajosamente comprometida com a libertação de toda
humanidade e de cada ser humano em sua integralidade” (Medellin. 5, 15 a).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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