por Marcelo Barros
Ao festejar,
nessa segunda feira, a data da independência do Brasil, a imensa maioria do
povo brasileiro está consciente de que a emancipação política do império
português foi importante, mas apenas como início de um processo a ser permanentemente
aprofundado e atualizado. A independência política formal só se completa com uma
verdadeira libertação social e econômica. Tudo isso está ligado a uma autonomia
cultural e até à liberdade espiritual das pessoas e das comunidades.
Em cada
sete de setembro, enquanto se repete o desfile militar de outros tempos, como
se o militarismo fosse a solução para a
liberdade, há mais de 25 anos, organizações sociais e comunitárias têm ido à
rua para manifestar seu anseio por uma libertação integral. É o Grito dos
Excluídos. Em muitas cidades brasileiras, ano após ano, essa manifestação
popular tem mostrado que o problema político brasileiro não consiste em colocar
ou tirar presidente. Sem dúvida, é importante contar com um poder executivo
sensível e capaz de ouvir os gritos da rua. No entanto, o mais importante é um
sistema político que possibilite a participação de todos. O sistema democrático
representativo deve ser aprimorado por uma profunda democracia social e
participativa de todos os brasileiros. Além
disso, é fundamental reformar as leis que permitem abusos no sistema de
eleição, como o fato de empresas privadas financiarem campanhas de candidatos. Como
diz frei Betto: “Nós votamos e as empresas elegem”.
Desde
agosto, o Brasil tem visto manifestações de rua que reúnem milhares de pessoas.
No domingo 16 de agosto, a grande manifestação foi das pessoas e grupos que são
contra o governo. No dia 20, outra grande manifestação protestava contra
qualquer tentativa de golpe. Em ambas, a maioria dos/das manifestantes
criticava diversas medidas do governo.
Infelizmente, apesar de, durante a última campanha eleitoral, a presidente ter
prometido dialogar com a sociedade, ela tem se revelado praticamente autista. Não
aceita dialogar com a esquerda que confiou nela e a elegeu. Tenta agradar à
direita que, de todos os modos, nunca a aceitaria. São pessoas e grupos que
querem derrubá-la. Não porque ela não mantém uma política energética superada, ou
porque não liga para a Ecologia, ou não defende as comunidades indígenas. Esses
não são os pontos aos quais a oposição é sensível. Simplesmente não a querem. Por
outro lado, não parecem saber o que querem, já que o Brasil presidido por
Michel Temer ou por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, terceiro
na linha da sucessão, não parece ser o sonho da maioria dos brasileiros.
Nas últimas
décadas, na América Latina, as organizações de base do campo e da cidade suscitaram
uma nova proposta de caminho para a sociedade. Baseado no paradigma indígena do
Bem Viver coletivo como objetivo do Estado, buscam uma forma nova e mais
democrática de um verdadeiro socialismo. Desde o movimento dos índios de
Chiapas e os círculos de cultura espalhados pelos bairros de periferia de
várias cidades do continente, surgiu a proposta de um novo bolivarianismo. Em
1965, em suas cartas escritas de Roma, durante a última sessão do Concílio
Vaticano II, Dom Helder Camara já aludia a esse movimento de integração
latino-americana e que se inspira nas propostas de Simon Bolívar, o
libertador. As mesmas elites que, com
razão ou sem razão, rejeitam Dilma, Lula e o PT, demonizam ainda mais Hugo
Chávez, Nicolas Maduro, Evo Morales, Rafael Correa e qualquer bolivarianismo que, no continente, queira mudar as
desigualdades sociais e ameace os privilégios que a elite sempre teve.
Em meio a
tudo isso, é bom saber que o próprio papa Francisco tem se pronunciado a favor
das propostas do Bolivarianismo: a integração latino-americana, a libertação do
imperialismo e a busca de um caminho novo para uma sociedade alternativa. Para
isso, propôs às Igrejas e à toda sociedade dialogar com os movimentos sociais
organizados. Assim, caminharemos para uma nova realidade social, baseada na
justiça, paz e comunhão com a nossa casa comum, a Terra.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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