Por Marcelo Barros
Em um gesto ecumênico e de
preocupação com a crise ecológica que o mundo atravessa, o papa Francisco
assumiu uma iniciativa das Igrejas orientais (Ortodoxas) e decidiu que, a cada
ano, o 1o de setembro seja comemorado como o dia anual de oração e cuidado com
a criação.
De acordo com a ciência atual, não
há mais sentido em se falar de uma criação, como evento único e completoque
Deus teria realizado no começo de tudo. A partir de dados observacionais, o astrônomo
norte-americano Edwin P. Hubble (1889 – 1953) introduziu na ciência o conceito
do universo permanentemente em expansão. Talvez, no século XX, essa foi a maior
descoberta feita pela Cosmologia. Conforme o a Ciência, o Cosmos não somente
está incompleto, como em um processo de evolução que, nos tempos atuais, parece
estar se acelerando. Isso significa que se, de fato, existe divindade criadora,
ela está ainda e sempre em atuação. Não criou uma vez por todas e depois
abandonou a criação à própria sorte. Mesmo as pessoas de Ciência que creem em
Deus, o contemplam como incorporado ao universo. O Espírito Divino seria como a
alma do corpo que é a natureza. Tudo não é deus, mas Deus está em tudo. Crer
que Deus está presente e atua na evolução do universo é apostar que o mundo tem
futuro e é nossa responsabilidade testemunhar isso. Em sua carta sobre o
cuidado com a terra, como casa comum, o papa Francisco esclarece: “Na tradição
judaico-cristã, dizer que a natureza é criação divina tem a ver com um projeto
de amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado próprios” (n.
76). “Há uma mensagem de cada criatura na harmonia de toda criação” (n. 84).
Quem gosta de Cinema se recorda que,
no filme “2001, Uma Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick (1968), havia um
monolito misterioso que emitia um som e atraía os seres humanos a novos
horizontes do universo. Era uma parábola do que alguns cientistas chamaram de
“a melodia secreta do cosmos”.É tarefa da ciência decifrar essa mensagem vinda
do universo. Ela é complexa. Pelo que dizem as pessoas que estudam, quando há
uma nova descoberta da ciência, surgem outras questões mais novas e, cada vez
mais desafiadoras. Neste contexto, a primeira pergunta é o que o universo nos
diz sobre nossas vidas e nosso destino, temas que antes perguntávamos à fé e às
diversas religiões.
Atualmente, os cientistas sabem da
existência de bilhões de galáxias. Somente a nossa galáxia, cujo diâmetro alcança
mais ou menos 300 mil anos luz, pode contar 200 bilhões de estrelas que giram
em torno do seu centro. Em um pequeno planeta, localizado na orla de uma
dessascem bilhões de galáxias, cada uma delas com mais de dez bilhões de
estrelas, há cerca de apenas duzentos mil anos, vive a humanidade.
Basta isso para concluirmos: não
somos o centro de tudo. A terra e a natureza não existem em função do ser
humano. Elas têm sua autonomia e sua
mensagem própria.Por outro lado, não estamos aqui por acaso. Temos uma função
importante. Fazemos parte da criação divina para ser como seus representantes no cuidado
com todas as criaturas. Na relação com a natureza, não podemos ser como pessoas
que vão ver um filme, não por causa do filme em si e sim por causa do ator principalque,
no caso, seria Deus. Ele próprio nos pede: “prestem atenção ao filme e não ao
artista!”. A natureza, com sua autonomia e suas propriedades, contém como uma
nova revelação amorosa para nós, homens e mulheres do século XXI.
Nesse 1o de setembro que a Igreja
Católica e as Igrejas Ortodoxas celebrarão a nossa relação com a natureza, descubra
que diariamente é dia da criação e nós fazemos parte dessa ação amorosa do
Espírito. Ouça as novas revelações vindas do universo e se sintamais
intensamente chamado/a ao compromisso ético e libertador que essas revelações
apontam. Quem crê em Deus, sabe que se aventurar neste caminho é deixar-se
conduzir pelo Espírito que "sopra onde quer. Ouve-se a sua voz, mas não se
sabe de onde vem, para onde vai" (Jo 3, 8).
Para quem é cristão/ã, ele sussurra
um nome que, como mestre,nos conduz ao amor maior: Jesus de Nazaré. Mas, também
traz à humanidade outros nomes de pessoas, entidades e espíritos que são
sinônimos de amor e de paz, nas mais diferentes religiões e culturas. Nenhum
mortal pode amordaçar a ventania ou frear a liberdade do Espírito. Os
caminhos religiosos, se conseguem sê-lo, podem apenas ser parábolas de amor. Será
que as ciências contemporâneas poderão também, um dia, ter a humildade de se
assumir como outras parábolas de irmandade universal? Se sim, elas se
constituirão mais ainda como novas revelações do amor que fecunda o universo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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