Por Marcelo Barros
Assim como os seres vivos precisam
de água para viver e o organismo depende de alimento para se reabastecer, as
Igrejas e o mundo precisam de profetas. O termo é religioso, mas a função é a
de pessoas críticas que ajudem a sociedade a pensar, a se rever e a mudar de
itinerário. Assim, nos tempos bíblicos, para mostrar como o povo se situava
diante de Deus, o profeta Isaías saiu nu pelas ruas. Jeremias que era de
família sacerdotal assumiu uma canga e se vestiu de escravo.
No mundo atual, o fenômeno das
migrações revela o fracasso da política que os Estados Unidos e países da Europa
impõem aos povos do Oriente Médio e da África. Essa política continua o
colonialismo que vem de 500 anos e tem, hoje, como consequência a imensa onda
de populações inteiras que não podem viver em seus países praticamente
destruídos pelas potências ocidentais. Há alguns dias, a polícia da França e a
Inglaterra interveio e derrubou as tendas dos migrantes no acampamento de
Calais, no norte da França. Ali estão acampados mais de 3500 migrantes, vindos
de diversos países do Oriente Médio e proibidos de entrar na Inglaterra. Famílias
inteiras com crianças passam o inverno europeu em um terreno pantanoso, sem
água e sem alimentos. Nas fronteiras entre a Macedônia e a Grécia, assim como
entre a Alemanha e a Áustria, milhares tentam abrigo e são rejeitados por
governos que se dizem democráticos e alguns deles cristãos. A rainha da
Inglaterra, chefe da Igreja Anglicana assinou um documento negando aos antigos
moradores de várias ilhas no Oceano Índico permissão para voltar a suas casas,
de onde haviam sido expulsos. A Inglaterra tinha vendido as ilhas ao exército
norte-americano para fazer ali bases militares.
É a partir dessa chave de leitura que
podemos compreender a decisão de quatro padres jovens da diocese de Bérgamo, no
norte da Itália. No começo dessa Quaresma, eles decidiram armar uma tenda diante
de uma Igreja paroquial e ali viverem acampados até a Páscoa. Na carta pública
com a qual anunciaram sua decisão, os padres Emanuele, Alessandro, Andrea e
Gianluca deixam claro: “Tomamos essa decisão por termos descoberto que o preço
do bem-estar que vivemos é a redução à miséria de outros seres humanos. E em
nome de Jesus, não podemos aceitar isso”. Por isso, fizeram esse gesto como
iniciativa de Quaresma e anúncio de uma nova Páscoa.
Na cultura hebraica, é um gesto
litúrgico. Até hoje, a cada ano, na festa de Shuccot (festa das Tendas), as
comunidades judaicas têm o costume de armar tendas de palmeira ou de plantas no
jardim de suas casas e ali viver por oito dias para recordar o tempo em que
Israel vivia em tendas no deserto. Na realidade brasileira e latino-americana, a
partir dos anos 70, alguns padres, religiosos e religiosas passaram a viver em
aldeias indígenas, em acampamentos de lavradores sem-terra para sensibilizar a
sociedade para o direito que toda pessoa humana tem ao que o papa Francisco
chama os três T: terra, trabalho e teto.
Na atual América Latina, também
temos migrações internas. Em nossas cidades, convivemos com o comércio informal
mantido por migrantes africanos, haitianos ou de países vizinhos, geralmente
explorados por patrões que os tratam como semiescravos. No entanto, a profecia
das tendas é mantida por grupos indígenas que são as principais vítimas da
poluição da natureza, da invasão do agronegócio e dos governos que ainda mantém
um projeto de desenvolvimento baseado no lucro e que consideram índios e
pequenos lavradores como descartáveis. Há poucos dias, em Honduras, apareceu
assassinada Berta Cáceres, líder indígena do país. Independente da mão que lhe
deu o tiro fatal, de fato, ela foi assassinada por esse projeto de
desenvolvimento que considera índios, lavradores e pobres em geral, como descartáveis.
Daqui há poucos dias, as comunidades
judaicas e Igrejas cristãs celebrarão a Páscoa. Essa festa teve seu início na fé
dos hebreus de que o próprio Deus veio guiar a sua migração do Egito para a
terra prometida. Ao doar a sua vida para que todos tenham vida e vida de
qualidade, Jesus faz da Páscoa uma bênção e fortalecimento para todos os
migrantes e deserdados do mundo. Em 1968, os bispos latino-americanos, reunidos
na Conferência de Medellín, propunham: “uma Igreja pobre e pascal, comprometida
com a libertação de toda humanidade e de cada ser humano por inteiro” (Med 5,
15).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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